No regresso de Harry Potter
Não direi que foi a grande notícia do fim-de-semana, a que os telenoticiários divulgaram com maior destaque: há-de ter havido por esse País fora algum crime, alguma desgraça, que terá recebido tratamento de grande manchete audiovisual e reportagem no local com parentes e vizinhos das vítimas. A questão é que já não recordo quais e quantos foram esses acontecimentos: como constantemente se sucedem no écran do meu teleivor, já nem a memória os retém um por um nem já me assalta a apetência de tomar notas. Quanto ao lançamento mundial do mais recente livro de Harry Potter, com multidões ávidas de o comprarem desde Londres até aos antípodas passando por Lisboa, não vi que abrisse algum notíciário, mas nem por isso deixei de o considerar de uma importância verdadeiramente invulgar, de dimensão muito superior à que é sugerida pela circunstância de ter sido de oito milhões de exemplares a tiragem da edição inicial e de se tratar de um volume de quase oitocentas páginas. A gente escreve isto e lembra-se logo de «Guerra e Paz», sente a inevitável tentação de comparar, de se perguntar se a Rowling pode provocar hoje o deslumbramento perante a vida reinventada que Tolstoi suscitou há um século e tanto. Porque, confessemo-lo sem más-vontades excessivas, ler hoje as centenas de páginas de um livro da Rowling não exige menor avidez que a leitura da obra de Tolstoi.
Como comecei por dizer, a notícia do lançamento de «Harry Potter e a Ordem de Fénix» não terá sido a que mais relevo recebeu dos noticiários, mas foi seguramente a que mais me sensibilizou. Creio mesmo que poderia dizer: a que mais me agrediu. A questão é que para mim, como porventura para qualquer outro «muggle» com anacrónicos interesses pela área da leitura, olhar filas de dezenas e dezenas de candidatos a leitores é constituída por garotos e jovens, esses que na avaliação da gente madura têm a imagem de criaturas que passam todo o tempo que podem diante do computador e não têm pachorra para a tarefa arcaica de ler. Em segundo lugar porque na fila dos pretendentes à compra viam-se muitos adultos. Imagino que a soma dos adultos que compraram o quinto «Harry Potter» logo no dia do lançamento, e o compraram para o lerem e não para oferta ao garoto da família, faria a felicidade de muitas obras excelentes e de leitura fácil que, contudo, encalham nos escaparates das livrarias.
Talvez o sexto volume
Porém, o ponto mais crítico do conjunto de reflexões, superficiais ou não, que a telenotícia do último Potter suscita aos tais que. de tanto serem «muggles» (isto é, não-feiticeiros, normalíssimos, e portanto medíocres na avaliação dos dotados com poderes mágicos) preferem a literatura da gente comum à literatura da supergente a que o simpático Harry pertence, é esse mesmo: o lugar de fascínio que o maravilhoso, o superfaz-de-conta, ocupa nas preferências literárias dos jovens e não-jovens. Independentemente de considerações sobre a quase desumana eficácia das máquinas comerciais, é vagamente deprimente assistir a que os jovens, geralmente escassamente sensíveis a uma literatura que lhes narre a vida-de-verdade, coloquem Harry Potter no supremo altar do seu imaginário: é uma opção que parece não augurar nada de bom para o seu e nosso futuro. Contudo, a questão não se esgota assim, tão esquemática e secamente. Sabe-se que todos, talvez mais ainda os jovens, têm uma instintiva apetência pelo maravilhoso, pelos caminhos da imaginação livre de constrangimentos. Buscando um exemplo quase extremo, lembremos que as estórias de fadas e dragões parecem remontar ao princípio dos tempos ou quase. Não fica bem a nenhum humanismo (e lá disse o Sartre que «o marxismo é um humanismo»...) sequer tentar «proibir» aos jovens os imaginados caminhos do maravilhoso. Perante isto, regressa para esta caso particular uma velha mas sempre actual questão: que fazer? Ou mais modestamente: que pensar?
Recapitulo Harry Potter. Sei-o feiticeiro por obra e graça do património genético, mas não me lembro de que alguma vez tenha utilizado os seus poderes para remedeio de alguma injustiça social, mesmo de pequena dimensão. Não poderia? Parece claro que poderia, só que nunca deu por nenhuma, a escrita de Rowling é que nunca pôs nenhum caso desses no seu caminho. Sinto que esta verificação em pôs na pista de uma boa justificação para as reservas com que encaro o muito publicitado «fenómeno Harry Potter». Na verdade, nada prova que seja preciso ser «muggle» para sentir indignações perante este injusto mundo comandado por «muggles» infames. Parece que descobri um bom prepexto para não ser um incondicional admirador de Harry Potter. A menos que um sexto volume da série se inmtitule «Harry Potter contra George W. Bush».
Como comecei por dizer, a notícia do lançamento de «Harry Potter e a Ordem de Fénix» não terá sido a que mais relevo recebeu dos noticiários, mas foi seguramente a que mais me sensibilizou. Creio mesmo que poderia dizer: a que mais me agrediu. A questão é que para mim, como porventura para qualquer outro «muggle» com anacrónicos interesses pela área da leitura, olhar filas de dezenas e dezenas de candidatos a leitores é constituída por garotos e jovens, esses que na avaliação da gente madura têm a imagem de criaturas que passam todo o tempo que podem diante do computador e não têm pachorra para a tarefa arcaica de ler. Em segundo lugar porque na fila dos pretendentes à compra viam-se muitos adultos. Imagino que a soma dos adultos que compraram o quinto «Harry Potter» logo no dia do lançamento, e o compraram para o lerem e não para oferta ao garoto da família, faria a felicidade de muitas obras excelentes e de leitura fácil que, contudo, encalham nos escaparates das livrarias.
Talvez o sexto volume
Porém, o ponto mais crítico do conjunto de reflexões, superficiais ou não, que a telenotícia do último Potter suscita aos tais que. de tanto serem «muggles» (isto é, não-feiticeiros, normalíssimos, e portanto medíocres na avaliação dos dotados com poderes mágicos) preferem a literatura da gente comum à literatura da supergente a que o simpático Harry pertence, é esse mesmo: o lugar de fascínio que o maravilhoso, o superfaz-de-conta, ocupa nas preferências literárias dos jovens e não-jovens. Independentemente de considerações sobre a quase desumana eficácia das máquinas comerciais, é vagamente deprimente assistir a que os jovens, geralmente escassamente sensíveis a uma literatura que lhes narre a vida-de-verdade, coloquem Harry Potter no supremo altar do seu imaginário: é uma opção que parece não augurar nada de bom para o seu e nosso futuro. Contudo, a questão não se esgota assim, tão esquemática e secamente. Sabe-se que todos, talvez mais ainda os jovens, têm uma instintiva apetência pelo maravilhoso, pelos caminhos da imaginação livre de constrangimentos. Buscando um exemplo quase extremo, lembremos que as estórias de fadas e dragões parecem remontar ao princípio dos tempos ou quase. Não fica bem a nenhum humanismo (e lá disse o Sartre que «o marxismo é um humanismo»...) sequer tentar «proibir» aos jovens os imaginados caminhos do maravilhoso. Perante isto, regressa para esta caso particular uma velha mas sempre actual questão: que fazer? Ou mais modestamente: que pensar?
Recapitulo Harry Potter. Sei-o feiticeiro por obra e graça do património genético, mas não me lembro de que alguma vez tenha utilizado os seus poderes para remedeio de alguma injustiça social, mesmo de pequena dimensão. Não poderia? Parece claro que poderia, só que nunca deu por nenhuma, a escrita de Rowling é que nunca pôs nenhum caso desses no seu caminho. Sinto que esta verificação em pôs na pista de uma boa justificação para as reservas com que encaro o muito publicitado «fenómeno Harry Potter». Na verdade, nada prova que seja preciso ser «muggle» para sentir indignações perante este injusto mundo comandado por «muggles» infames. Parece que descobri um bom prepexto para não ser um incondicional admirador de Harry Potter. A menos que um sexto volume da série se inmtitule «Harry Potter contra George W. Bush».