As manobras evasivas

Jorge Messias
Em certo sentido ainda antes de começar já a agressão ao Iraque produzia os seus efeitos. Houve meses de anúncios, ameaças e ultimatos, seguidos de adiamentos e negociações frustradas. Adensou-se um clima de tensão que contribuiu para reduzir a um só problema imediato - o do iminente ataque ao Iraque - o leque de ameaças que se colocavam às opiniões públicas, mundiais e nacionais. Tendeu-se ao esquecimento. A árvore escondia a floresta.
As políticas do eixo Vaticano/Capitalismo beneficiaram com essa técnica redutora. Pouco a pouco, foram-se esquecendo as questões sociais. E isto, nem sequer porque houvesse a intenção de dar urgente prioridade ao
apoio humanitário ao povo do Iraque. O humanismo católico dissipou-se por entre as nuvens evasivas da oratória. As famosas ONGS, com os armazéns a abarrotar de géneros e de água, retiraram-se do país e ficaram a olhar de longe a situação, do outro lado das fronteiras . Diziam não ter condições de segurança. Ainda que, tanto quanto se saiba, nem um só dos seus membros tenha sido beliscado. O tradicional lema confessional «ora et labora» (reza e trabalha ) viu-se, então, amputado da segunda parte do seu enunciado - o da acção. Tal como a sua congénere muçulmana, a classe eclesiástica católica limitou-se a apelar às preces. Nos tempos recentes, esta foi a terceira vez que a mesma estratégia se repetiu em cadeia : a primeira, nas guerras da Jugoslávia ; a segunda, na agressão ao Afeganistão ; agora, manifestou-se pela terceira vez, com total alheamento humanitário perante as atrocidades americanas no Iraque. É a mão ensanguentada que lava a outra mão. Não será, pois, atrevimento afirmar-se que entre os derrotados do Iraque figuram as grandes religiões históricas. No Ocidente, porém, este fenómeno fenómeno de alienação da hierarquia católica perante os trágicos acontecimentos não fez desviar as atenções dos bispos dos seus objectivos nacionais. Em Portugal - onde o quadrado do Poder passa sempre pela Igreja - o projecto patriarcal continuou em progressão. Embora apanhado em contra-pé, o fascizante Código do Trabalho procura, concebido e conduzido pelo notável católico Bagão Félix, experiente ex-presidente da «Comissão Justiça e Paz», procura impor-se como facto consumado. Curiosamente, a mesma estrutura que o actual ministro dirigiu aparece-nos, de súbito, com duras críticas à citada lei. Numa outra área foi publicado (e promulgado por Jorge Sampaio) um vergonhoso diploma sobre Imigração, pondo em grave risco o futuro de cerca de 60 mil clandestinos que a lei entrega à gula dos exploradores. Mas o responsável Vaz Pinto, o padre jesuíta, parece insensível a estes danos colaterais e não se demite. É, então, duramente criticado pelo bispo Torgal Ferreiro, brigadeiro do Exército que integra os serviços de Paulo Portas, o ministro que mais anda nas bocas do mundo e que o bispo, tanto quanto se saiba, jamais repudiou. Trata-se do habitual «ballet» das pombas e dos falcões... Mas os jesuítas não perdem tempo com passos de dança. Os seus leigos têm vindo a alastrar-se pelo aparelho do Estado, nomeadamente em áreas como as da Imigração, da Família, dos Sem-Abrigo, da Educação, da Saúde, dos PALOPS, da Segurança Social, das Comunicações, etc. O episcopado acelerou o processo de globalização das paróquias e da intervenção social da Universidade Católica. A «Católica» acaba de criar o Innstituto de Ciências da Família, cujo objectivo é estudar o tecido da célula familiar. É um centro de investigação e de pedagogia. É notória a influência da igreja nas Comissões de Protecção à Infância e à Juventude que se preparam nas autarquias. E que dizer-se, em resumo, da informação que o Diário de Notícias publicou (11.4.003), sob o imprevisto título Branqueamento foi arquivado ? O Ministério Público detectou, com relação ao famigerado caso da «Moderna», indícios de que as misteriosas verbas que Miguel Pais do Amaral utilizou na compra da TVI (onde a Igreja ganha rios de dinheiro) tinham sido obtidas na Colômbia através do grupo Santo Domingo e que tal operação ocultava uma vasta manobra de branqueamento de capitais. Como era seu dever, o Ministério Público mandou abrir um processo autónomo apenso ao caso da «Moderna». Subitamente, em Janeiro, o processo foi arquivado. Não seria de exigir um esclarecimento preciso em relação a esta operação de contornos tão suspeitos ?


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