A «maioria moral»
A guerra deflagrou, apesar do generalizado protesto mundial que se lhe opôs e do reduzido apoio que os EUA conseguiram para tal agressão. Durante meses, a Administração Bush procurou manipular a opinião pública, instrumentalizar a ONU, pressionar os inspectores, aliados e outros chefes de Estado, acabando por não conseguir alcançar a «maioria moral» para o desencadeamento da guerra. Mas a arrogância imperialista prevaleceu.
Entretanto, nunca foi tão claro que o desencadear da guerra surge como corolário da estratégia do imperialismo norte-americano de dominar os enormes recursos energéticos de que o Iraque dispõe e redesenhar o mapa político da região. Os argumentos invocados para justificar esta guerra são tidos como grandes falsificações. Poucos acreditam no espírito de cruzada da luta anti-terrorista, ou no objectivo de liquidação das armas de destruição maciça, ou mesmo nos «nobres» propósitos de restituir a liberdade e a democracia ao povo iraquiano. À poderosa máquina de propaganda da guerra contrapõe-se hoje a crescente consciência dos povos em relação aos perigos e reais objectivos desta nova escalada belicista do imperialismo norte-americano.
A reacção aos primeiros bombardeamentos foi imediata. No próprio dia e no último sábado, dos EUA à Austrália, do Egipto ao Paquistão, e por toda a Europa, milhões de manifestantes condenaram a guerra como ilegítima, ilegal e profundamente injusta. Consolida-se um forte movimento pela paz à escala mundial, de conteúdo objectivamente anti-imperialista. Movimento pela paz que se vivifica na luta dos trabalhadores, no movimento juvenil e se expressa de muitas outras formas, como aconteceu na cerimónia de atribuição dos Óscares. Movimento que se ergue não só contra os horrores da guerra e o seu cortejo de sofrimento, morte e destruição, mas que inclui a rejeição da «nova ordem» que os EUA pretende impor com o propósito de alargar a todo o mundo o seu domínio.
Os governos tem face à guerra posicionamentos muito distintos. Desde os aliados incondicionais dos EUA aos que consideram a guerra ilegal e reclamam o fim das hostilidades há uma diversidade de posições que expressa a extraordinária complexidade e instabilidade nas relações internacionais. A tal ponto que a reunião do Conselho Europeu que coincidiu com o início da guerra se limitou a constatar o facto, evitando qualquer tomada de posição sobre a agressão, apesar de se saber que a guerra visa também a própria União Europeia. A preocupação do Conselho recaiu apenas sobre o «day after», nomeadamente sobre a «reconstrução» e a partilha dos recursos do Iraque, no pós-guerra. Tamanho cinismo e hipocrisia conjugam-se, na perfeição, com a afirmação que saiu da mesma reunião sobre a necessidade de acelerar a «Estratégia de Lisboa», ou seja, flexibilizar o trabalho, privatizar os serviços públicos, liberalizar os despedimentos, reduzir os salários reais. A identidade dos interesses de classe sobrepôs-se às rivalidades e contradições inter-imperialistas.
O recurso à força representa uma fuga em frente do grande capital perante a profunda crise económica, política e ideológica em que se debate e à resistência e luta dos povos. Na actual campanha militar de invasão e ocupação do Iraque, os EUA estão a deparar-se com dificuldades que não previram. A desproporção de forças é imensa. Mas uma coisa é certa: os sentimentos patrióticos do povo iraquiano e a resistência à invasão imperialista são já uma realidade de grande significado político.