O ideias
Manifestamente, Durão Barroso continua sem ter uma ideia do que quer fazer como Primeiro-ministro, apesar de há mais de um ano o cargo lhe haver caído no colo em inesperada lotaria.
É claro que ele tem algumas ideias – avulsas, enquistadas e definitivamente reaccionárias – trazidas de um passado de militância diligente para a construção de uma carreira política, onde cumpriu o mais tipificado trajecto pequeno-burguês: começou numa extrema-esquerda a fingir para desembocar na direita a sério, onde há muitos anos labuta por um lugar de relevo.
Conseguiu-o, em duas inesperadas confirmações de que a vida tem horror ao vácuo, tal como a Natureza.
Na primeira confirmação, ascendeu à liderança do PSD porque o lugar estava permanentemente vago e ele acabou a ocupá-lo inesperadamente.
É que a vida partidária tem horror ao vácuo – tal como a Natureza.
Na segunda confirmação, viu-se eleito Primeiro-ministro, porque o cargo não apenas vagou de repente, como sobretudo lhe foi parar inesperadamente às mãos.
Mais uma vez, e sobretudo, porque a vida política nacional também tem horror ao vácuo – sempre como a Natureza.
E assim se viu Durão Barroso alcandorado repentinamente ao mais alto posto da governação, onde, manifestamente, anda há mais de um ano sem saber o que fazer.
Portanto, à falta de um projecto para o País, tem posto em andamento as ideias com que, bisonhamente, foi construindo a sua carreira de homem de direita.
A primeira ideia foi servir o capitalismo actual com fervorosa diligência. Para isso, procurou desmantelar de imediato, e o mais possível, os mecanismos legais que protegem, acautelam ou simplesmente prevêem os direitos dos trabalhadores (de que a revisão do Código de Trabalho é paradigma), ao mesmo tempo que pretendeu escancarar à voracidade do capital privado o que resta de utilidade pública e controle estatal na vida do País (de que são exemplos suficientes os ataques ao sistema público da Segurança Social, os planos de privatização dos hospitais ou o assalto governamental à RTP).
A outra ideia foi estrangular toda a administração pública, num ataque geral e indiscriminado para conter a despesa do Estado e que já redundou numa hecatombe: redução de serviços e de postos de trabalho, encerramento de valências e funções nos mais variados sectores, congelamento de salários, suspensão de actividades nas mais diversas áreas, supressão de iniciativas governamentais, anulação de apoios sociais, etc. etc.
Por outro lado, procedeu a autênticos assaltos fiscais aos contribuintes do costume – os trabalhadores – e, no afã de obter receitas imediatas que equilibrassem o défice, recorreu a todos os expedientes, desde perdões fiscais enganosos à venda ao desbarato do património do Estado.
Tudo isto servido num discurso catastrófico, lançado na alocução fundadora «da tanga» quando, em plena Assembleia da República e em início de funções, lançou o País na depressão ao declará-lo na miséria e se desresponsabilizou para o futuro lançando todas as culpas ao passado.
A última ideia orientou-lhe a machadada final: suspendeu, adiou ou suprimiu a generalidade do investimento público para ajudar a cumprir o défice, pelo que escancarou igualmente as portas à recessão no País.
Ultimamente, voltou a cometer mais uma ideia: associou oficialmente Portugal à agressão imperialista dos EUA ao Iraque, descendo ao extremo de actuar como chefe de mesa no repasto dos Açores onde os EUA, acolitados pela Grã-Bretanha e a Espanha, formalizaram o desencadear desta ofensiva militar para controle do petróleo iraquiano.
Esta última ideia expô-lo completamente – mostrando quer a superlativa ideia que tem de si próprio, quer a total ausência de uma ideia para o País.