Diplomacia de supermercado
Se melhor prova não houvesse da indisfarçavel arrogância e ilimitada impunidade que a Administração Americana patenteia, bastaria atender à últimas declarações dos seus responsáveis sobre as Nações Unidas e as suas resoluções. Seguramente com a confiança de que tudo pode comprar e não poucos se dispõem a vender, Bush anunciou que «as Nações Unidas vão estabelecer de forma clara e simples que o Iraque não está a cumprir as exigências impostas» adiantando desde logo, em jeito de aviso, que esta seria a «última oportunidade da ONU para provar a sua relevância nesta crise». Mais claro não se pode ser. Bush não só já decidiu o que devem as Nações Unidas aprovar como decretou que se dele ousarem discordar serão reduzidas à insignificância que para ele representam. Talvez o que mais surpreenda seja, não tanto, as declarações de Bush mas o silêncio dos mais altos responsáveis das Nações Unidas perante tão desassombrado ultimato de um dos seus Estados Membros. Pelo meio ficarão, mais que não seja para encontrar suporte em alguns apoios que salvem a aparência, umas quantas diligências de diplomacia mercantil destinadas a procurar comprar em alguns países o número de votos necessários à aprovação da resolução que já decidiram querer ver aprovada; a continuada tentativa de intoxicação da opinião pública a partir do papel que, um pouco por todo o mundo, alguns editorialistas de serviço se dispõem cumprir em resposta ao apelo da voz do dono; as esclarecedoras e relevantes teorizações sobre o valor supremo da legitimidade eleitoral dos governos perante a indisfarçavel corrente humana que tem enchido praças e ruas para justificar as posições dos governantes partidários da guerra.
A voz de milhões de homens e mulheres que em todo o mundo se indignam e opõem perante a sombra de uma guerra iminente poderá, com larga probabilidade, não ser suficiente para impedir o que unilateralmente o imperialismo norte americano, e a corte de dependentes que atrás de si se arrasta, já decidiu. Mesmo que assim seja, o expressivo movimento em defesa da paz e contra a agressão ao Iraque, que nos últimos meses se afirmou por todos os continentes, não deixará de constituir sem dúvida uma importante aquisição política neste inicio de milénio. Particularmente se no seu seio se afirmar e desenvolver a consciência de que à raíz desta agressão, e de outras que a máquina de guerra se prepara para agendar, está indissoluvelmente associada a natureza violenta do imperialismo, sem a eliminação do qual não haverá espaço para a construção de mundo com paz e justiça. Sob pena de milhões sentirem frustrada a expressão da sua indignação e de se perpetuarem as condições de sobrevivência de uma política mundial comandada pelo objectivo de assegurar pela violência a prevalência dos seus interesses de dominação económica.