Penalizações são inaceitáveis
A possibilidade de os produtores de leite portugueses pagarem pesadas multas pelo leite produzido acima da sua quota individual de referência é «completamente inaceitável», diz Agostinho Lopes, membro da Comissão Política do PCP.
Em conferência de imprensa, realizada na quinta-feira passada, o dirigente do PCP considera mesmo que os produtores de leite são «vítimas e não réus» deste processo. Vítimas das políticas erradas de sucessivos governos, das vistas curtas que têm mostrado nas várias negociações e da sua subserviência face à União Europeia. E vítimas, ainda, da incompetência do actual Governo que não soube acompanhar a evolução da produção do sector nem tomou medidas atempadas para evitar qualquer tipo de penalização aos produtores.
Portugal tem, desde a adesão, uma quota «completamente injusta» face à de outros países. Como esta é fixada em função das médias históricas de produção e Portugal tinha à partida baixos valores de produção, as quotas fixadas foram baixas, como baixas foram as ajudas, fixadas por sua vez em função das produtividades. Tendo ainda em conta que os níveis de desenvolvimento das estruturas produtivas são, para anos idênticos, desiguais, qualquer país mais atrasado que tente chegar à média europeia será penalizado.
Em Portugal está-se, pois, proibido de «modernizar» e «desenvolver» a produção de leite, pois quem tentar subir as produtividades, para obter maiores ajudas, corre o risco de ultrapassar a quota de produção estabelecida e ser penalizado,pondo em causa o direito igual de cada país da UE a níveis semelhantes de consumo, de auto-abastecimento, de exportação de leite e lacticínios, no respeito pelo princípio da coesão económica e social. Ou seja, diz o PCP, um sistema de quotas que «em abstracto é positivo e defensável» torna-se desta forma «absurdo e perverso».
Basta de passividade
Entretanto, os sucessivos governos do PSD e do PS não só não cuidaram de defender os interesses nacionais, como se mostraram completamente incapazes de acompanhar o sector leiteiro, pois tendo no fim de cada mês, de cada trimestre e de cada campanha leiteira um balanço da situação, produção, número de vacas em produção, défices ou excedentes relativamente à quota, fácil lhe seria prever a evolução e o valor final da produção no fim de cada campanha. Assim, no fim da campanha 2001/2002, em Abril do ano passado, era já previsível o que se passaria na seguinte, previsão confirmada pela evolução real em Julho de 2002 e reconfirmada em Outubro de 2002. Não tomou, porém, qualquer medida. Nem alertas junto dos produtores nem sequer uma medida de saneamento das vacas de refugo ainda em produção!
Ora o País «não pode aceitar que passiva e resignadamente o Governo diga que nada pode fazer face ao que vem acontecendo e se agravará se as penalizações avançarem». Seria mesmo «paradoxal» que fossem penalizados exactamente os cidadãos portugueses que responderam aos apelos constantes dos órgãos de soberania nacional para o aumento da produção e da produtividade!
Assim, impõe-se «mobilizar todos os esforços e meios e considerar todas as formas susceptíveis de impedir a penalização dos produtores», no plano interno, e, em Bruxelas, «reclamar com urgência uma nova quota leiteira» para Portugal que não esteja apenas vinculada às médias históricas mas considere critérios, como o nível de auto-abastecimento, a dimensão actual das explorações e o seu potencial de crescimento, o peso da produção leiteira na economia rural das diversas regiões, e ausência (ou não) de alternativas de produção.
Historial da matança
Portugal tem, desde as negociações da adesão à CEE, uma quota nacional de referência completamente inadequada face ao atraso das suas estruturas produtivas em relação às médias comunitárias - baixas produtividades por vaca leiteira, nível de animais por exploração - e às suas potencialidades para produzir leite. Assim, em 1986, como estávamos longe de atingir valores então acordados entre Portugal e a CEE, o governo de então pôde «cantar vitória»!
Em 1992, durante a reforma da PAC - mais uma vez, feita durante a Presidência portuguesa da União Europeia, de Cavaco Silva - o valor da quota de 1986 estava ainda por atingir, pelo que novamente «se deram hosanas à capacidade negocial portuguesa», que obteve um arredondamento da quota nacional com mais 12 mil toneladas! Entretanto, dessas negociações, Espanha, Itália e Grécia, obtiveram substanciais aumentos das suas quotas.
Em 1999, durante a chamada Agenda 2000, também António Guterres e o então ministro da Agricultura «ficaram todos contentes» com as 28 100 toneladas a mais que conseguiram (um aumento de 1,5%). Também então, Grécia, Espanha e Itália obtinham novos e significativos acréscimos nas suas quotas, respectivamente mais 11,1%, 10,1% e 6,9% , tendo até países já «antigos» na Comunidade, como o Reino Unido, conseguido percentagens de aumentos superiores à nossa (1,7%). Apenas mais 0,2 pontos percentuais, é certo, mas que significam mais cerca de 28 900 toneladas, isto é, tanto como todo o aumento global de Portugal!
«Baixa consideração» na avaliação das capacidade dos agricultores portugueses, «subestimação» das potencialidads agrícolas do País ou simples «incompetência» são as justificações que o PCP encontra para as posições assumidas pelos sucessivos governos nestas negociações.
Em resumo, uma política leiteira errada - política de preços, de resgate da quota aos pequenos produtores, de gestão da quota, de eliminação de salas colectivas de ordenha mecânica e postos de recolha, etc.- que tem levado a uma verdadeira matança de produtores de leite portugueses - 75 mil liquidados nos últimos 10 anos e, destes, 20 mil apenas entre 1999 e 2002 (50% do total de produtores existentes em 1999)!