Comentário

A batuta dos «grandes»

Pedro Guerreiro

A re­cente pro­posta franco-alemã sobre a fu­tura ar­qui­tec­tura ins­ti­tu­ci­onal da União Eu­ro­peia (UE) tem como ob­jec­tivo a ten­ta­tiva de li­mitar o ac­tual de­bate sobre a re­forma dos Tra­tados num quadro que as­se­gure os in­te­resses e o do­mínio das grandes po­tên­cias. Tal in­tenção é tanto mais evi­dente, quando os go­vernos da Grã-Bre­tanha, Itália e Es­panha deram o seu ime­diato e sig­ni­fi­ca­tivo apoio a tais pro­postas. Aliás, certo da sua força e da sub­missão e anuência dos res­tantes go­vernos, in­cluindo o go­verno PSD / CDS-PP, o re­pre­sen­tante do Go­verno da Grã-Bre­tanha na «Con­venção sobre o fu­turo da EU» afirma desde já que tais pro­postas se aca­barão por impor.

E o que pre­tendem os go­vernos da França e da Ale­manha? Pre­tendem a cri­ação de uma "cons­ti­tuição eu­ro­peia", com a in­te­gração da Carta dos Di­reitos Fun­da­men­tais. O re­forço do poder po­lí­tico das ins­ti­tui­ções da UE (o Con­selho na po­lí­tica ex­terna, de de­fesa e jus­tiça e as­suntos in­ternos; a Co­missão, no quadro das suas com­pe­tên­cias, no con­trolo dos Es­tados mem­bros; o Par­la­mento Eu­ropeu com a ex­tensão da co-de­cisão). O fim das pre­si­dên­cias ro­ta­tivas no Con­selho Eu­ropeu e a eleição de um pre­si­dente por mai­oria qua­li­fi­cada. A eleição do pre­si­dente da Co­missão pelo Par­la­mento Eu­ropeu. O re­forço da re­pre­sen­ta­ti­vi­dade dos países na UE tendo em conta o cri­tério po­pu­la­ci­onal. A ex­tensão da de­cisão por mai­oria qua­li­fi­cada e a li­mi­tação do di­reito de veto. Uma re­or­ga­ni­zação do Con­selho e da Co­missão Eu­ro­peia que re­força o papel de co­or­de­nação po­lí­tica do pri­meiro em áreas de­ter­mi­nantes e cria a dis­tinção entre co­mis­sá­rios de «pri­meira» e de «se­gunda» na se­gunda. A exis­tência de um «mi­nistro dos as­suntos ex­ternos» da UE. A se­pa­ração das fun­ções «ope­ra­ci­o­nais» e «le­gis­la­tiva» do Con­selho. Entre ou­tros as­pectos.

Ou seja, pro­postas que apontam para o apro­fun­da­mento da ac­tual in­te­gração de cariz fe­de­ra­lista, ga­ran­tindo o do­mínio dos «grandes» na UE, no ca­minho da cri­ação de um «go­verno eu­ropeu» (para já, com «ins­pi­ração» na ar­qui­tec­tura ins­ti­tu­ci­onal fran­cesa). Aliás, Gis­card D'Es­taing, Pre­si­dente da Con­venção, torna clara tal in­tenção, ao afirmar que, na sua pers­pec­tiva, a evo­lução das ins­ti­tui­ções da UE será no sen­tido da «emer­gência de fun­ções fe­de­rais nas duas ins­ti­tui­ções com vo­cação exe­cu­tiva - o Con­selho e a Co­missão - que aca­barão um dia por se unir, para dar origem ao go­verno da Eu­ropa Unida» (Le Monde 13.01.03).

 

Acordos e con­tra­di­ções

 

Será ainda de sa­li­entar, tendo em conta as re­ac­ções a tais pro­postas, no­me­a­da­mente em Por­tugal, que não é um maior apro­fun­da­mento da ac­tual «in­te­gração eu­ro­peia» nos seus prin­ci­pais eixos - fe­de­ra­lista, ne­o­li­beral e mi­li­ta­rista - que co­loca di­fi­cul­dades às forças po­lí­ticas e ou­tros pro­ta­go­nistas que estão na sua gé­nese. Quando re­cen­te­mente a França e a Ale­manha apre­sen­taram pro­postas no sen­tido de apro­fundar a co­mu­ni­ta­ri­zação da po­lí­tica ex­terna, da po­lí­tica de de­fesa e da jus­tiça e as­suntos in­ternos ou do re­forço da «go­ver­nação eco­nó­mica» ao nível da UE, não se ou­viram cri­ticas ou dis­tan­ci­a­mentos dos ac­tuais go­vernos dos países da UE. Aliás, tais pro­postas foram quase na sua to­ta­li­dade adop­tadas pela Con­venção, pelo que, existe acordo entre as prin­ci­pais forças po­lí­ticas que a do­minam (di­reita e so­cial-de­mo­cracia) quanto ao re­forço das com­pe­tên­cias da UE e das suas ins­ti­tui­ções su­pra­na­ci­o­nais.

A con­tra­dição que se co­loca é no quanto é que os «grandes» e os «ou­tros» vão pesar nas ins­ti­tui­ções e no pro­cesso de de­cisão ao nível da UE. No pas­sado, de que é exemplo re­cente o Tra­tado de Nice (ra­ti­fi­cado pelo PSD, PS e CDS-PP), ficou evi­dente a im­po­sição dos «grandes» e a ca­pi­tu­lação dos «ou­tros». Ou seja, a in­te­gração avança se as grandes po­tên­cias sal­va­guar­darem os seus in­te­resses e do­mínio - o com­pro­misso franco-alemão é um en­ten­di­mento entre estes dois países nesse sen­tido. Aliás, não se vis­lumbra como é que as grandes po­tên­cias iriam abrir mão das suas in­ten­ções, seja na Co­missão ou no Con­selho, pois as suas pro­postas quanto às duas ins­ti­tui­ções vão no mesmo sen­tido.

A de­fesa dos in­te­resses do País, a sal­va­guarda da so­be­rania de Por­tugal nas suas di­fe­rentes ver­tentes, não passa pela falsa di­co­tomia do «fe­de­ra­lismo pela via da Co­missão» ou do «fe­de­ra­lismo pela via do Con­selho» - as in­ten­ções ex­pressas por Gis­card D'Es­taing são bem claras quanto a este as­pecto.

O que se exige é a firme afir­mação da de­fesa dos in­te­resses na­ci­o­nais, que passa, entre ou­tros as­pectos, pela não trans­fe­rência de mais com­pe­tên­cias para a União Eu­ro­peia, pela exis­tência do di­reito de veto em ques­tões fun­da­men­tais para o País, pelo re­forço do peso no pro­cesso de de­cisão, pela ma­nu­tenção da ac­tual ro­ta­ti­vi­dade das pre­si­dên­cias do Con­selho e do co­mis­sário na­ci­onal de forma per­ma­nente, pelo re­forço do papel dos par­la­mentos na­ci­o­nais no pro­cesso de de­cisão, pela ma­nu­tenção do por­tu­guês como língua ofi­cial e de tra­balho, por uma Eu­ropa de co­o­pe­ração entre es­tados so­be­ranos e iguais em di­reitos.



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