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Jussara Silveira:
uma delicada explosão

• Duda Guennes



Atenção galera: Jussara Silveira é uma bomba de retardador lento prestes a explodir, e esta explosão dar-se-á na Festa do Avante! quando ela subir ao palco e começar a cantar. Aí, o público verá que o ambiente vai ficar íntimo como uma pequena praça. Jussara Silveira é o que se pode chamar uma cantora de classe. Sua formação tem raízes nas técnicas básicas do canto lírico. Ainda garota, se entusiasma com os mestres da bossa-nova e do jazz west coast. Sua voz é doce, suave, possante. Afinadíssima, ela transmite perfeição e o eterno prazer de cantar.

Jussara SilveiraApesar de só em 1997, já aos 37 anos, ter lançado o seu primeiro disco - Jussara Silveira –, a cantora não era exactamente uma novata. Era, antes, daquelas que seguem o mito da tranquilidade baiana: «Faço bem aquela linha descansada de beira de praia, mas acho que me dou bem assim». Assim, sem pressa, Jussara (a quem os amigos chamam de Lady J), vem administrando a sua carreira. Só aos 29, fez seu primeiro show profissional, na Bahia (antes havia sido vocalista em discos como Outras Palavras, de 81, de Caetano Veloso), com um sucesso assinalável. As pessoas que tiveram a sorte de presenciar ao espectáculo perguntavam-se extasiados: por que só agora?

Foi apenas uma explosão local, é certo, mas abriu-lhe as portas para centros maiores como São Paulo e Rio de Janeiro, com apresentações frequentes em casas alternativas no início dos anos 90, onde passou a desfrutar prestígio junto à imprensa especializada, que a classificou como cantora cool, filiada à tradição iniciada por João Gilberto em contraposição ao movimento Axé, dançante e suingado, que projectaram Daniela Mercury, Netinho, Olundum, Ivete Sangalo e outros baianos. Só as editoras não notaram. Inserida no mercado, ainda que de forma independente, Jussara enfrenta o rótulo de cantora baiana, que a inércia do produção actual que rotula tudo que vem da Bahia como tropicalista ou axé music. Jussara passa ao largo de todos estes rótulos. Ela está na dela e a dela é muito mais. Sempre mais.

A hora e a vez

Cantar músicas de Dorival Caymmi é um objectivo de qualquer intérprete da MPB. Equivale a um título de mestrado ou doutorado. Dificilmente haverá um cantor que não o tenha tentado. Só que, gravar músicas de Dorival Caymmi constitui uma responsabilidade e tanto. Porque Dorival Caymmi é «apenas» o mais original e rigoroso dos compositores brasileiros (dentre os grandes, aquele cuja obra ostenta a menor índice de redundância e, portanto, a maior taxa de informação estética). O problema é que não há intérprete de sua música superior a ele próprio – e sozinho, acompanhado tão-só de seu violão.

É doce morrer do mar de Caymmi. E disso sabe com certeza até a autora de um antológico Gal Canta Caymmi, de 1976. Como também sabe-o, e muito bem, a própria filha, Nana Caymmi, cantora de estilo manso e refinado e herdeira musical do pai. Sabe-o, de certeza, Olívia Hime, que recentemente realizou show com as músicas do genial baiano. «Caymmi é um desejo obrigatório de todo artista brasileiro», afirma a cantora carioca. «Faz parte da minha história musical. Foi um dos dois compositores que eu me lembro de ter cantado em criança», completa Olívia (o outro é Gonzagão).

Agora, outra falsa baiana (mineira baianizada) entregou-se à mesma tarefa e dá conta perfeitamente do recado. Jussara Silveira quer ampliar o seu público e mostra neste show baseado no disco Canções de Caymmi que é uma intérprete muito original. Depois de ter passeado sua carreira por caminhos sonoros que incluíam músicos do porte de Chet Baker, Billie Hollyday, Judy Garland, Angela Maria e Amália Rodrigues, Jussara Silveira resolveu dar uma reciclada e voltar à sua adoptiva praia baiana para encarar a obra do mestre maior da MPB: Canções de Caymmi, uma selecção de clássicos do génio de Maracangalha.

Sofisticação e simplicidade. Neste show, Jussara Silveira canta uma coisa de praia, de tranquilidade, de paz. Um elemento indefinível que não existe longe do mar. «É uma coisa brasileira que eu tenho, calma, joão-gilbertiana. De um lugar que tem sol, praia, mas é uma coisa diferente dessa loucura que é o carnaval, embora eu também cante no Carnaval», insinua a cantora.

 

«Avante!» Nº 1499 - 22.Agosto.2002