Escola
de
campeões
A associação «Mestres de S. João» é uma das muitas colectividades de Lisboa que só existe graças a uma elevada dose de carolice dos seus membros. Criado por um jovem apaixonado pelo Xadrez, que soube congregar vontades e angariar os poios mínimos da Câmara e da Junta de Freguesia, o clube pode hoje orgulhar-se do lugar destacado que ocupa no panorama nacional da modalidade.
As duas salas de que dispõem num pavilhão pré-fabricado, situado perto da Casa Pia de Lisboa, são exíguas para os cerca de 60 praticantes que frequentam regularmente a colectividade, mas a sua cedência representou um passo em frente na concretização do sonho que António Laranjeira acalenta desde muito novo.
Tudo começou há sete anos, tinha António apenas 17 anos,
quando, como monitor da CML, realizou um curso de iniciação na
escola primária da freguesia de S. João: «O curso era de
15 dias, mas como eu morava ali ao lado, acabámos por formar na escola
um clube informal de Xadrez que durou cerca de dois anos».
Em 1995 ficaram sem instalações na escola, mas não desistiram
recorrendo à sede Junta de Freguesia. «Esta foi uma fase de grandes
dificuldades devido à falta de espaço disponível para jogar».
Nos últimos dois anos, a situação melhorou e, com um mínimo
de condições, foi possível desenvolver um trabalho mais
regular. Os resultados não tardaram a surgir: «Nesta temporada
vencemos um terço dos campeonatos distritais de jovens sub-20 e passámos
a ser o segundo clube em termos de títulos alcançados. Temos dois
campeões nacionais e dois vice-campeões», diz António
Laranjeira, não escondendo uma ponta de justificado orgulho.
A comprovar a notoriedade alcançada por esta verdadeira escola de campeões, as paredes da sede exibem artigos saídos na imprensa nacional, fotos de praticantes do clube a jogar com figuras de topo do Xadrez mundial, caso de Karpov ou de David Bronstein, e, numa vitrina, alinham-se os trofeus e taças conquistados, a mais antiga com data de 1993, num torneio de sub-10.
Por amor ao xadrez
Mas se os resultados competitivos são por certo o lado mais visível da actividade dos Mestres de S. João, o trabalho de iniciação e formação que realizam nas escolas não é menos importante. «Temos actividade em três escolas primárias, numa preparatória e noutra secundária e no Centro Infantil de Santos-o-Novo», revela o presidente, notando que parte das crianças que aderem aos cursos vêm de famílias carenciadas de bairros pobres da freguesia. «Muitos descobrem no xadrez uma ocupação para os tempos livres e ficam connosco».
Mas o mais surpreendente é que tudo isto se realiza com um orçamento
limitado que no ano passado ultrapassou à justa os 700 contos, abalançando-se
este ano para os 1170 contos.
Segundo explica António Laranjeira, o clube não cobra quotas nem
mensalidades aos praticantes: «Por uma questão de princípio
queremos manter a gratuitidade».
Desta forma, dependem quase exclusivamente do apoio do Pelouro do Desporto da
Câmara de Lisboa, que concede não só um subsídio
monetário, como fornece monitores altamente qualificados para os cursos
avançados. Entre eles está a treinadora cubana Maritza Valdez,
Sérgio Rocha, da selecção olímpica portuguesa, ou
Luís Ribeiro, vice-campeão nacional de sub-20, ele próprio
iniciado nos «Mestres».
Mesmo assim, economicamente, não seria possível participar em
tantos torneios não fora a comparticipação dos pais nas
despesas de deslocação.
«Utilizamos as nossas viaturas e pagamos a gasolina do nosso bolso. Os
que podem, contribuem para as refeições, mas se se trata de famílias
sem recursos é o clube que assume as despesas. A Junta de Freguesia também
nos ajuda disponibilizando uma carrinha para o transporte».
Este espírito colectivo e de interajuda encontra-se traduzido na própria direcção do clube: «o vice presidente tem 18 anos e temos vários jovens entre os 14 e os 16 anos que têm tarefas de direcção. Para além disso, temos três pais no conselho fiscal, porque queremos interessá-los directamente na gestão do clube».
Como nota curiosa, refira-se que o clube constituiu uma equipa de pais que, aproveitando o facto de levarem os filhos aos treinos, decidiram meter mãos à obra e fixar a atenção nas peças do tabuleiro.
O sonho de uma sede
Os Mestres de S. João são hoje um dos melhores clubes de xadrez
para crianças, e o seu prestígio não pára de aumentar,
começando a ser procurado por praticantes já com algum currículo
desportivo. Contudo, o sonho de António Laranjeira ainda está
por realizar: «O próximo passo é conseguirmos uma verdadeira
sede, onde possamos ter computadores, livros, jardim e outras formas de ocupação
dos tempos livres. Os miúdos não podem passar o tempo todo a jogar
xadrez».
Este objectivo pode ainda estar longe de concretizar-se mas uma coisa é
certa, com a vontade e determinação que já demonstraram,
estes jovens são bem capazes de tornar o impossível numa realidade.
Pequenos mestres
Ana Baptista e Rafael Teixeira são dois pequenos «craques»
do Xadrez. Com apenas 10 e 9 anos, respectivamente, revelam um conhecimento
profundo e um especial talento para este jogo, sendo os actuais detentores dos
títulos de campeão absoluto e vice-campeão nacionais.
Quem os quiser ver em plena acção ou arriscar uma partida com
estas duas crianças pode fazê-lo na Festa do «Avante!»,
onde vão estar numa simultânea com 15 tabuleiros, que terá
lugar no sábado, dia 2, às 19 horas, no espaço do Xadrez.
Entretanto, até lá treinem-se já que nesta modalidade os
campeões não se medem aos palmos e quer a Ana, quer o Rafael,
apesar da tenra idade, estão habituados a defrontar parceiros muito mais
velhos e não se saem nada mal.
A reportagem do «Avante!» foi encontrá-los na colectividade
«Mestres de S. João», onde recebem formação
e treinamento avançado.
Ana Baptista começou a jogar xadrez na escola, já lá vão
três anos. Hoje treina praticamente todos os dias, participando regularmente
em torneios nacionais e internacionais. Quanto ao futuro, disse-nos que quer
ser professora de matemática, não se mostrando intimidada por
ir disputar uma simultânea na Festa. Aceita as derrotas com desportivismo
mas também com responsabilidade: «Claro que gosto mais de ganhar,
mas não fico chateada quando perco. Tenho é de continuar a treinar
e a aprender para depois ganhar.»
Rafael é ligeiramente mais novo tendo começado a jogar com o pai aos três anos de idade: «naquela altura eu já comia as peças todas, mas não sabia dar o mate». Entretanto, foi para os Mestres de S. João, onde com a ajuda de monitores qualificados aprendeu muitos dos segredos do Xadrez: «Ela joga um bocadinho melhor do que eu», reconhece o Rafael referindo-se à Ana, com quem jogou a final nacional de sub-10.
Ali ao lado, estava outra jovem campeã Diana Soares, campeã nacional em femininos sub-14 e uma das esperanças do xadrez nacional que conta já com uma participação no mundial do ano passado, onde arrebatou metade dos pontos possíveis.
Pouco depois estavam todos sentados numa mesa com uma dezena de xadrezistas
de diferentes idades. Mas isso que importa, ali o que conta é o jogo.
«Avante!» Nº 1395 -24.Agosto.2000