Jorge Abecassis fecha Lusalite
e despede 200 trabalhadores
Liquidar dá lucro
Ao acabar com aquela que foi a empresa líder no fibrocimento em Portugal, a família Abecassis reforça a sua posição no ranking dos mais ricos. Outra é a sorte dos trabalhadores, metade dos quais tem mais de 50 anos de idade.
Fundada em 1933, a Lusalite foi empresa líder na produção de fibrocimento; a sua forte posição no mercado alargou mesmo o nome da marca a toda esta gama de produtos.
Estatísticas recentes (1998) referiam, a nível nacional, importações médias anuais da ordem das 12 mil toneladas de amianto, provenientes sobretudo do Canadá e destinadas, quase na totalidade, a fibrocimento para a indústria da construção (fabrico de chapas onduladas, tubos e manilhas, placas de isolamento térmico), a partir da mistura homogénea de fibras de amianto e cimento.
A Lusalite e a Cimianto têm repartido entre si mais de 75 por cento do mercado. Juntaram-se para criar a Novinco. Estas três maiores empresas criaram uma associação para a promoção do amianto (que expõe os seus argumentos no site www.aipa.pt).
Tal como Portugal, os restantes países da União Europeia dependem da importação de amianto. Provocando polémica em torno dos argumentos sanitários e ecológicos, a UE decidiu, neste contexto, proibir a utilização de fibras de amianto a partir de 2004. A decisão deu a Jorge Abecassis a figura principal da família que, através da Corporação Mercantil Portuguesa, detém a propriedade da Lusalite a ocasião para decidir fechar a empresa.
O motivo real, contudo como denunciaram ao «Avante!» trabalhadores da Lusalite prende-se com a opção por negócios que, para os detentores do capital social, serão muito mais lucrativos do que a manutenção da empresa.
Para esses interesses da família Abecassis, os trabalhadores são motivo de preocupação apenas pelos prejuízos que podem causar ao negócio. Por isso, o patrão tomou providências para evitar os danos que um despedimento colectivo causaria na imagem pública e para gastar o menos possível no pagamento de indemnizações aos despedidos por mútuo acordo.
Estratégia
e responsabilidades
Como resultado dos contactos desencadeados pela administração com vários trabalhadores, desde há cerca de três semanas, a Lusalite já deve ter actualmente menos de dois terços das 200 pessoas que empregava. À nossa reportagem foi descrito um tenso e instável ambiente laboral, com que a empresa pretendeu contribuir para a saída de pessoal, sobretudo daqueles que ao longo dos anos se mostraram mais combativos e mais firmes na defesa dos interesses dos trabalhadores.
Há cerca de um ano, numa primeira lista de empregados «a despedir», foram incluídos todos os delegados sindicais e membros da Comissão de Trabalhadores (menos o elemento que encabeçou a lista apoiada pela administração). Agora, aqueles que recusam o «mútuo acordo» para o desemprego são mudados de local de trabalho, vêem as férias interrompidas ou adiadas e não têm actualização salarial.
Os factos que nos foram relatados justificam plenamente as acusações feitas nos últimos meses à administração da Lusalite, designadamente pelos deputados comunistas Bernardino Soares e Natália Filipe (num requerimento ao Governo denunciam «uma clara estratégia de liquidação da empresa») e pelo Sindicato da Cerâmica do Sul (num comunicado de Julho, escreveu que «desde o início do ano de 1999 a administração da Lusalite vem actuando com mais objectividade no sentido de liquidar a empresa»).
Para os nossos entrevistados, o recurso ao processo de recuperação foi um acto de má fé, que não tinha por objectivo a viabilização da Lusalite. Por ter como meta a liquidação da empresa, a administração não procedeu à modernização dos equipamentos e processos de fabrico, nem fez os necessários esforços para encontrar produtos alternativos (sem fibras de amianto). E acabou por interromper abruptamente a «recuperação», para anunciar claramente a liquidação.
Imobiliário
e outros negócios
Com sede na baixa lisboeta, a Lusalite tem a fábrica instalada na Cruz Quebrada, próximo da estação de caminho-de-ferro, da praia e do Estádio Nacional do Jamor, numa área para onde existem vários projectos de valorização urbanística, quer da Câmara Municipal de Oeiras, quer da Administração do Porto de Lisboa, quer de investidores privados (entre os quais há quem admita que se encontre o dono e liquidatário da Lusalite).
Dívidas acumuladas à banca e à Segurança Social, num total superior a 700 mil contos, estiveram na origem de um processo de recuperação económica e financeira, solicitado ao tribunal em Julho de 1998. Nessa altura, o sector de empresas de Oeiras do PCP questionou publicamente os motivos das alegadas dificuldades da Lusalite, notando que os terrenos da Cruz Quebrada, em futuros projectos urbanísticos, poderiam ter um valor muito superior ao da fábrica em laboração. Os comunistas acusavam os responsáveis da empresa de má gestão e falta de renovação tecnológica e repudiavam o caminho das «rescisões amigáveis» de contratos, lembrando que essa opção, em anos anteriores, não tinha resolvido o problema da rentabilização.
O processo de recuperação deveria durar três anos. No entanto, em Abril passado, a administração anunciou que a empresa ia fechar e convocou uma assembleia de credores para levantar a gestão controlada e, no passo seguinte, vender o terreno onde se encontra a fábrica. Para se libertar da maior parte dos trabalhadores (três ou quatro dezenas serão necessários para concluir a liquidação da empresa), a Lusalite quis evitar o despedimento colectivo e preferiu as «rescisões por mútuo acordo». Para quem recusasse a indemnização proposta (um mês por cada ano de serviço), foi ficando a ameaça de ir na mesma para o desemprego, sem receber nada.
E este é um perigo real, uma vez que o património da Lusalite
tem vindo a reduzir-se, até a favor do patrão. Os trabalhadores
que contactámos referiram, entre outros exemplos, a venda da marca «Lusalite»
à Novinco, por um baixo valor, e a mudança de titularidade da
Sociedade Agrícola de Pinhal Novo e de acções da Novinco
(que terão passado da Lusalite para Jorge Abecassis, alegadamente para
liquidação de dívidas da empresa ao seu principal proprietário).
«Avante!» Nº 1395 - 24.Agosto.2000