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II Mostra de Curtas Metragens
Cinema de animação em crescimento

Isabel Araújo Branco  texto   • Sérgio Morais fotos


Com a colaboração do Festival «Cinanima» de Espinho, a JCP apresenta na Festa do Avante! a II Mostra de Curtas Metragens, com a projecção de oito filmes de animação, quatro das quais são comentados pelos autores nesta páginas. Abi Feijó e Regina Pessoa, dois realizadores de animação, falaram ao nosso jornal sobre a situação deste tipo de cinema.

Avante! - As curtas metragens são vistas erradamente por muita gente como um cinema de segunda classe, feito por estudantes. A questão é vista de forma diferente na animação?

Regina Pessoa - Essa ideia existe em relação à curta metragem de imagem real, porque para a animação este formato é assumido. Poucas são as pessoas que procuram servir-se da curta metragem como uma passagem para a longa. Para nós, este é o formato ideal.

Abi Feijó - A animação tem uma carga simbólica tão grande que acaba por concentrar a sua mensagem. Na história do cinema, há muitas curtas metragens de animação que são obras primas e poucas longas que o são. Na imagem real, passa-se o contrário. Se há muita gente que vê as curtas como uma forma de aprendizagem para chegar às longas, essa ideia praticamente não existe na animação.

- Que apoios é que o cinema de animação tem em Portugal?

AF - Vivemos hoje um momento único. Nunca houve tantos apoios para a animação. No entanto, não existem escolas, ou melhor, não há nenhum curso profissional. A nível de apoios, há o ICAM e um acordo entre o Ministério da Cultura e a RTP. O ano passado foram apoiadas sete curtas metragens de animação, das quais quatro eram primeiras obras. Isto quer dizer, que os jovens têm grandes possibilidades de entrar no meio.

RP - Muitas dessas primeiras obras são da autoria de pessoas que nunca fizeram animação, que têm projectos e que, se andassem numa escola, poderiam concretizá-los aí.

- Qual é a situação das produtoras?

AF - As produtoras funcionam quando há hipóteses de trabalho. Neste momento há essa possibilidade. Mas, há sempre falta de formação. Não havia escolas, não havia indústria, começou-se a apoiar as curtas metragens e estas vão formando na prática pessoas que depois saem para outros projectos. Este tipo de formação vai fazendo com que as produtoras se vão multiplicando.

- Até à pouco tempo, a animação portuguesa estava virada mais para a publicidade. Isso acontecia por falta de mercado?

AF - O mercado não é local, é mundial. Hoje, quando se produz um filme não se pode pensar que só se vai vender em Portugal. Deve-se trabalhar para o mercado global. A publicidade já tem características mais locais, embora haja publicidade que passa além fronteiras, como os produtos passam.

A animação na publicidade acontecia quando não havia apoios. Houve uma geração que sobreviveu a fazer publicidade, enquanto a nova geração que surgiu após os apoios foi muito influenciada pelo Cinanima. Agora começa a aparecer uma nova vaga com interesses mais comerciais.

- A animação é encarada por muita gente como um entretenimento para crianças. Mas, faz-se muita animação para adultos. Esta ideia começa a mudar?

AF - A grande estrutura de animação, implantada no mercado mundial, é dirigida às crianças. Há um mercado em crescimento, onde há falta de quadros. Nos festivais, vêem-se os grandes estúdios a contratar animadores, enquanto há uns anos acontecia o contrário. Normalmente, as pessoas têm acesso apenas à animação para crianças. É isso que as televisões passam.

A animação para adultos não tem mercado, porque as pessoas não têm acesso a ela. Praticamente o único mercado que existe são os festivais e algumas televisões que têm uns programas mais ou menos escondidos dedicados às curtas.

- Os adultos não descobrem a animação porque pensam à partida que não é para eles?

AF - Mas isso começa a mudar. A presença do público dos festivais está a crescer. Existe um interesse crescente.

RP - Se lhes mostrarem, as pessoas vão ver.

AF - E, como os produtos nacionais têm melhorado em termos qualitativos, as pessoas não sentem as suas expectativas defraudadas, voltam aos festivais e passam palavra. É assim que há um mercado crescente de curtas metragens de autor e, em alguns países, começa-se a fazer pacotes de curtas metragens.

- A divulgação é fundamental?

AF - A divulgação e a imaginação para arranjar formas de rentabilizar os filmes.

- A televisão pode desempenhar um papel fundamental?

RP - A televisão vai começar a passar animação ao abrigo de um acordo do Ministério da Cultura com a RTP, em que, sendo co-produtores, têm direitos de exibição. Os nossos filmes passaram numa série de canais estrangeiros e nunca passaram numa televisão portuguesa, o que é um absurdo.

- Qual é a importância destes filmes serem exibidos na Festa, um local com um público tão variado?

RP - Parece-me interessante, porque se trata de um público mais aberto.

AF - Espero que o público reaja bem, até porque o «Fado Lusitano» tem alguma crítica social e política, a que os visitantes da Festa serão com certeza sensíveis.

Eis algumas das obras programadas para a Mostra:

«Fado Lusitano», de Abi Feijó

«Portugal sente-se um pequeno país na cauda da Europa, tem um coração errante, um espírito aventureiro, uma alma amargurada e corpo obediente.» É assim que se pode resumir o episódio português da série de John Halas «Conheça os Europeus», denominado «Fado Lusitano».
«Procurei descobrir o humor português, como é que nos vimos a nós próprios», conta o realizador, Abi Feijó, que explica que optou pela técnica dos recortes para «respeitar as obras de arte relevantes que ilustram o filme». A narração foi feita por Mário Viegas e a música é da responsabilidade de Tentúgal.
Tendo passado por vários festivais, o filme recebeu quatro prémios nomeadamente no Cinanima e no Animateruel. «O filme funcionou muito bem com o público português, mas, talvez por ser "demasiado" auto-retrato, lá fora é um pouco difícil de ser compreendido. Tem referências que os estrangeiros não conhecem e, portanto, não percebem a piada», diz o realizador.

Licenciado em Artes Gráficas e Design pela Escola de Belas Artes do Porto, Abi Feijó orientou vários workshops de animação e em 1987 fundou o estúdio de animação «Filmógrafo». Recebeu mais de 20 prémios em festivais portugueses e estrangeiros, destacando-se o Cinanima, Annecy e Golden Cartoon.


«De Cabeça Perdida», de Isabel Aboim

Um dia Horácio acorda e descobre que não tem a cabeça em cima dos ombros e parte à procura de outra. Este é o início de um filme com uma história de busca e descoberta, escrito e realizado por Isabel Aboim. O título não poderia ser outro: «De Cabeça Perdida». No total, são usadas cinco técnicas de animação diferentes.
«É possível olhar, se não se tem olhos; cheirar, se não se tem nariz; ouvir, se não se tem ouvidos? A história passa por aí», explicou a autora ao Avante!, dizendo que se trata de «um filme bastante poético, feito não de acções, mas de procuras e de estados de alma».
Com 18 minutos, o filme sofreu devido à sua duração pois é difícil difundir uma curta metragem tão longa. Isabel Aboim diz que a pouca aceitação por parte dos festivais se deve ao facto da sua obra ser marcadamente «de autor». «Os festivais procuram coisas mais abrangentes, comerciais ou visíveis. Este é um filme bastante pessoal, muito denso, não tem um "happy end" nem é um gag cómico.»

Com 29 anos, Isabel Aboim está dentro do mundo da animação há 15 anos. Começou na Escola António Arroio e no Atelier da Fundação Caloust Gulbenkian, onde hoje dá aulas. A sua principal actividade é no cinema de imagem real.


«A Suspeita», de José Miguel Ribeiro

«Um compartimento de comboio, quatro pessoas, um revisor, um canivete de Barcelos e um potencial assassino. Chegarão todos ao fim da viagem?» É assim que a Zeppelin Filmes resume o argumento d’«A Suspeita», filme realizado por José Miguel Ribeiro e produzido por Luís da Matta Almeida.
Apesar da falta de apoios e das poucas condições em que foi produzido, o filme foi apresentado em dezenas de festivais, nacionais e internacionais, e galardoado com importantes prémios, nomeadamente no Cinanima, no Fantasporto e em Stuttgart.
A coroa de glória é a nomeação para o «Cartoon D’Or 2000», o mais importante prémio para animação, e a candidatura à nomeação para os Oscars da Academia de Hollywood na categoria de curta metragem de animação.

José Miguel Ribeiro, licenciou-se em Pintura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e estudou animação de desenho e volumes na Lazzenec-Bretagne (França) e na Filmógrafo. Realizou e animou vários filmes, recebendo vários prémios. Actualmente dá aulas de animação de volumes na Fundação Caloust Gulbenkian, em Lisboa.


«A Noite», de Regina Pessoa

«A Noite», de Regina Pessoa, mostra a angústia de uma menina face ao desconhecido da noite, tendo como base os medos da infância da autora. Regina procurou um tema forte, que lhe dissesse muito, porque «a animação às vezes é um longo percurso e é um trabalho que nem sempre é agradável. Os desenhos são quase iguais, demoram muito tempo. É um trabalho que implica um grande isolamento.»
Usando lápis cor de carmim queimado e gravura em placas de gesso, os desenhos eram destruídos sucessivamente para dar lugar ao seguinte. «Foi um trabalho muito difícil e pesado, porque, se a história já era sombria, eu também estava sozinha a trabalhar num quarto escuro», afirmou Regina ao Avante!. O filme estreou no Cinanima, onde recebeu três prémios, incluindo o de Jovem Cineasta e a Menção Honrosa para Melhor Filme Português, tendo percorrido vários festivais, nomeadamente o de Annecy.

Regina Pessoa licenciou-se na Faculdade de Belas Artes do Porto e, em 1992, começou a trabalhar no «Filmógrafo», onde participou em vários filmes de animação.

«Avante!» Nº 1395 - 24.Agosto.2000