Direitos Humanos

Jorge Cadima

EUA trans­for­maram Guan­tá­namo num campo de con­cen­tração

No dis­curso ofi­cial aquando da sua vi­sita a Cuba, Obama pro­clamou que «os di­reitos hu­manos são uni­ver­sais». A co­mu­ni­cação so­cial do grande ca­pital pa­pa­gueou em coro as ha­bi­tuais pa­tra­nhas sobre a vi­o­lação de di­reitos hu­manos em Cuba. Es­que­ceram-se de re­ferir que em terra cu­bana os di­reitos hu­manos são sim gros­sei­ra­mente vi­o­lados, mas nos 120 km2 da base mi­litar dos EUA em Guan­tá­namo, sob tu­tela de Obama.

Há quase 15 anos os EUA trans­for­maram a sua base mi­litar no ter­ri­tório cu­bano usur­pado de Guan­tá­namo num campo de con­cen­tração, com um his­to­rial ter­rível de de­ten­ções ar­bi­trá­rias, tor­turas e mortes. Poucos dias após a vi­sita de Obama, o jornal in­glês The Guar­dian (28.3.16) re­feria que um dos ac­tuais presos em Guan­tá­namo sofre de pro­lapso rectal como re­sul­tado da prá­tica «de agentes da CIA, do­cu­men­tada pelo re­la­tório do Se­nado [dos EUA, pu­bli­cado em 2014], de in­serção de co­mida em forma de puré pelo ânus dos de­tidos», prá­tica com a cí­nica de­sig­nação de «rehi­dra­tação rectal». Menos sorte ti­veram três presos que terão sido es­pan­cados até à morte em Guan­tá­namo no dia 9 de Junho de 2006, in­ci­dente des­crito em por­menor pela re­vista Har­per's de Março 2010. O co­man­dante norte-ame­ri­cano de Guan­tá­namo deu outra ex­pli­cação. Afir­mando tratar-se de sui­cí­dios por en­for­ca­mento, clas­si­ficou esses 'sui­cí­dios' de «um acto de guerra as­si­mé­trica contra nós» [!]. Mas os pa­to­lo­gistas sau­ditas que fi­zeram au­tóp­sias in­de­pen­dentes so­li­ci­tadas pelas fa­mí­lias «ve­ri­fi­caram que a es­tru­tura [cor­poral] que seria o ob­jecto de in­te­resse na­tural da au­tópsia, a gar­ganta, havia sido re­mo­vida» dos ca­dá­veres (Har­per's, Março 2010). Ao que pa­rece, as au­to­ri­dades norte-ame­ri­canas 'sub-con­tra­ta­vam' tor­turas aos seus ali­ados. Se­gundo o Guar­dian (28.3.16), «a CIA ti­rava fo­to­gra­fias, nuas, das pes­soas que en­viava para serem tor­tu­radas pelos seus par­ceiros es­tran­geiros. […] A ex­pli­cação para essas fo­to­gra­fias […] era pro­teger a CIA das con­sequên­cias le­gais ou po­lí­ticas re­sul­tantes do seu tra­ta­mento brutal às mãos dos ser­viços se­cretos seus par­ceiros». Como fica bem aos po­de­rosos, manda-se os cri­ados sujar as mãos. Ainda bem que, como ga­rantiu Obama, há «de­sa­cordos» entre os EUA e o go­verno cu­bano, em ma­té­rias como os di­reitos hu­manos.

Pode haver quem ache que quem foi parar a Guan­tá­namo por al­guma razão será, e talvez me­reça tudo o que lhe tenha acon­te­cido. Mas então como ex­plicar a de­cisão do go­verno bri­tâ­nico de «pagar mi­lhões de li­bras [!] em com­pen­sa­ções a ex-de­tidos na prisão mi­litar dos EUA em Guan­tá­namo» (Reu­ters, 15.11.10), que ha­viam acu­sado o go­verno in­glês de co-res­pon­sável pela tor­tura de que foram ví­timas? Um jornal in­glês ex­plicou assim: «Mi­nis­tros terão de­ci­dido, sob pa­recer dos ser­viços se­cretos [bri­tâ­nicos], que não po­diam correr o risco de di­vul­gação em tri­bunal de mi­lhares de do­cu­mentos sobre as formas de co­o­pe­ração bri­tâ­nica com os EUA na cha­mada trans­fe­rência ex­tra­or­di­nária de sus­peitos de ter­ro­rismo» (Guar­dian, 15.11.10). Outro jornal in­glês (Te­le­graph, 25.4.11) es­creveu, com base em do­cu­mentos re­ve­lados pela Wi­ki­leaks, que «pelo menos 150 afe­gãos e pa­quis­ta­neses ino­centes [de­tidos em Guan­tá­namo], in­cluindo agri­cul­tores, co­zi­nheiros e mo­to­ristas, foram ar­re­ba­nhados ou até ven­didos às forças dos EUA [… e] em de­zenas de casos 'não há qual­quer razão re­gis­tada para a trans­fe­rên­cia'». Um preso sau­dita, Shaker Aamer, foi li­ber­tado no pas­sado mês de Ou­tubro de 2015, após 13 anos de de­tenção sem ter sido al­guma vez jul­gado, ou se­quer acu­sado de qual­quer crime.

É ver­dade que Obama se ma­ni­festou contra a prisão de Guan­tá­namo. Até pro­meteu que a fe­charia du­rante o seu pri­meiro ano na pre­si­dência. Mas está a ter­minar o seu se­gundo man­dato e Guan­tá­namo con­tinua ope­ra­ci­onal. Nos seus oito anos de pre­si­dência, os di­reitos hu­manos made in USA foram ex­por­tados para a Líbia, Síria, Hon­duras, Ucrânia e ou­tras pa­ra­gens. E para a co­mu­ni­cação so­cial de re­gime, é quem re­siste ao im­pe­ri­a­lismo que me­rece con­de­nação.




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