Uma multinacional

Filipe Diniz

Toda a gente opina sobre a questão do novo Papa. Para quem está de fora, suscita uma certa perplexidade que a generalidade das opiniões seja acerca de questões que não pareceriam propriamente ser do foro de uma instituição religiosa: actividades bancárias obscuras, escândalos de diverso tipo, intrigalhada de todo o género.

É tal a predominância desses temas que os textos mais interessantes são aqueles que não estão com rodeios, mesmo que o façam com ironia. É o caso de um («Pope, CEO», «The Economist», 9.03.2013) que começa com o seguinte e lapidar parágrafo: «A Igreja católica romana é a mais antiga multinacional do mundo. É também, em muitos aspectos, a de maior sucesso, com 1,2 mil milhões de clientes, dezenas de milhões de voluntários, uma rede de distribuição global, um logotipo universalmente reconhecível, um polimento sem rival no lobbying e, suscitando os melhores auspícios para o futuro, uma actuação de sucesso junto dos mercados emergentes».

Para o autor do artigo esta multinacional, se tem problemas, só precisa de seguir o exemplo das outras multinacionais para os ultrapassar. Se estão a braços com escândalos, montam uma campanha de relações públicas para convencer os seus clientes e empregados de que os estão a resolver. Se há a questão das operações bancárias obscuras, é subcontratar as actividades como fazem a IBM e a Ford, em vez de ter um banco próprio («o único no mundo que tem máquinas multibanco com instruções em latim»). E se querem consolidar o sucesso nos mercados emergentes, têm que instalar quartéis-generais nos locais, como fez por exemplo a Cisco criando uma nova sede em Bangalore.

Este artigo, sob a sua inteligente ironia, coloca reflexões bem interessantes. Uma delas é como é que uma estrutura ainda profundamente formatada – segundo a observação de Gramsci – pelo papel dos eclesiásticos enquanto intelectuais orgânicos do mundo feudal, e que mantém a sua hierarquia (com os seus «príncipes») estruturada ainda sobre esse modelo, permanece a «multinacional de maior sucesso» na fase imperialista do capitalismo? A resposta talvez esteja exactamente aí: esse sucesso não resulta das suas formas organizativas, mas de uma milenar aliança histórica com as classes dominantes.



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