Cartas de amor seguro
«Mal te vi a minha vida foi tua, e chego a ter prazer em sacrificar-ta», in Cartas de Mariana Alcoforado.
A carta de resposta do presidente do BCE à tão badalada missiva de António José Seguro à troika só veio confirmar quanto de comprometedora têm estas coisas da escrita quando, para lá do arrebatamento do momento, o tempo desvenda os pormenores que entre quem envia e o que recebe apenas entre si deveria ficar.
Escreve Draghi que o BCE não pode deixar de saudar o compromisso do PS com o programa da troika. Nestes jogos de amor correspondido fica assim desvendado que, para lá do tão mediatizado jogo de palavras sobre a inusitada iniciativa de querer falar com os mandantes e não com os mandados pela cruzada de submissão que está a ser imposto ao povo e ao País, Seguro não tem olhos para outras que não sejam as instituições e entidades que arruínam Portugal e a vida de milhões de portugueses. E revela sobretudo que o que lhe sobra de amores pelos credores e usurários externos, lhe falta de compromisso com os interesses nacionais.
Nada como estas inconfidencialidades de alcova para os trabalhadores e o povo português ficarem a saber o que alguns já sabiam e há muito denunciavam: o que separa PS e Governo é tão só o modo de fazer, se com mais jeito ou à bruta, se com mais ou menos tempo, se como mais ou menos dor. O projecto, esse é o mesmo, o da subordinação do País aos interesses do grande capital, da submissão perante o directório das potências europeias, de ajuste de contas com Abril e os direitos conquistados, de consagração de um novo nível de exploração sobre o trabalho. Daí que se perceba por que é que o PS aposta em prolongar a vida de um governo politicamente moribundo e manter um esclarecedor silêncio sobre qualquer compromisso, por mais ínfimo que seja, de devolver os direitos roubados, os recursos saqueados e os rendimentos extorquidos a pretexto da «ajuda externa» e de um pacto de agressão a que agora uma vez mais o PS jurou fidelidade e promessa de amor eterno.