O direito a não prescindir do exercício, luta e defesa dos direitos

Rui Fernandes (Membro da Comissão Política do PCP)

O re­gime de­mo­crá­tico tem sido, ao longo de mais de três dé­cadas, su­jeito a cres­centes ata­ques por parte da po­lí­tica de di­reita. A de­no­mi­nada crise tem ser­vido de jus­ti­fi­cação para a im­po­sição de me­didas in­cons­ti­tu­ci­o­nais, que atacam os di­reitos dos tra­ba­lha­dores e de­gradam as fun­ções so­ciais do Es­tado, num pro­cesso de acen­tu­ação das de­si­gual­dades, de des­truição de vidas e de com­pro­me­ti­mento da so­be­rania na­ci­onal.

Os pro­fis­si­o­nais das forças de se­gu­rança so­frem com o pacto de agressão

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A se­gu­rança in­terna, acom­pa­nhando toda a ofen­siva contra a ad­mi­nis­tração pú­blica, tem-se de­gra­dado. Como re­flexo da pro­funda crise eco­nó­mica e so­cial, tende a crescer a in­se­gu­rança das po­pu­la­ções. A po­lí­tica de se­gu­rança dos su­ces­sivos go­vernos obe­dece a cri­té­rios de classe, com uma ori­en­tação mais vin­cada para a pro­moção da se­gu­rança pri­vada e da vídeo-vi­gi­lância, ao mesmo tempo que se de­grada o equi­pa­mento e as ins­ta­la­ções das forças de se­gu­rança, per­ma­necem graves pro­blemas ao nível do es­ta­tuto sócio-pro­fis­si­onal e alastra a des­mo­ti­vação dos res­pec­tivos pro­fis­si­o­nais.

A po­lí­tica de pau­la­tina con­cen­tração de efec­tivos e meios acentua a di­mi­nuição da ver­tente pre­ven­tiva e o aban­dono de um po­li­ci­a­mento de maior vi­si­bi­li­dade e pro­xi­mi­dade. O Go­verno, ao mesmo tempo que pro­cede a essa re­o­ri­en­tação para a pro­moção da se­gu­rança pri­vada – que mais não deve ser do que uma ac­ti­vi­dade com uma função sub­si­diária e com­ple­mentar da ac­ti­vi­dade das forças e ser­viços de se­gu­rança – des­preza as con­di­ções de exer­cício por parte de mi­lhares de tra­ba­lha­dores, cada vez mais uti­li­zados como «pau para toda a obra».

Dessa re­o­ri­en­tação é parte cons­ti­tu­tiva o quase per­ma­nente pro­cesso de re­es­tru­tu­ração a que têm es­tado su­jeitas as forças de se­gu­rança. Um pro­cesso ao sabor das agendas po­lí­tico-par­ti­dá­rias de quem ocupa a cada mo­mento o poder – em­bora com con­ver­gência nos as­pectos es­sen­ciais – sem sus­ten­tação na re­a­li­dade e nas ne­ces­si­dades do País, numa di­nâ­mica de cres­cente go­ver­na­men­ta­li­zação e ins­tru­men­ta­li­zação deste sector. Neste con­texto, me­rece par­ti­cular su­bli­nhado a per­sis­tência na ma­nu­tenção de duas forças de se­gu­rança, uma das quais a GNR, com na­tu­reza mi­litar cada vez mais acen­tuada. A re­cente po­lé­mica em torno da pri­meira versão do Con­ceito Es­tra­té­gico de De­fesa Na­ci­onal, em que o ob­jec­tivo era re­forçar o papel da GNR em de­tri­mento da PSP, pôs a nu os reais ob­jec­tivos do Go­verno, que pro­cu­rará pros­se­guir por ou­tros ca­mi­nhos. Aliás, a re­cente al­te­ração efec­tuada no far­da­mento da GNR, com o uso de boina, apa­re­cendo como um as­pecto sem im­por­tância, di­fi­cil­mente pode deixar de ser visto como um ele­mento que visa re­forçar as ca­rac­te­rís­ticas sim­bó­licas de na­tu­reza mi­litar. Em vez de um ca­minho que ponha fim ao ana­cro­nismo de uma força de na­tu­reza mi­litar em mis­sões de se­gu­rança das po­pu­la­ções, o que é vi­sado é con­so­lidar e apro­fundar esse ana­cro­nismo. Como se com­pre­ende, não está em causa se é ou não mi­litar a pessoa tal ou tal. O que está em causa é qual é a na­tu­reza da res­pec­tiva força.

É ur­gente a rup­tura com esta po­lí­tica

Os pro­blemas da cri­mi­na­li­dade e da se­gu­rança dos ci­da­dãos não são re­so­lú­veis ex­clu­si­va­mente com me­didas de na­tu­reza po­li­cial. Eles têm causas so­ciais pro­fundas que se agravam com a po­lí­tica em curso, de uma cada vez mais in­justa dis­tri­buição da ri­queza, alar­ga­mento do de­sem­prego, cres­cente rasto de fome e mi­séria. Causas estas que também in­vadem e atingem os pro­fis­si­o­nais das forças e ser­viços de se­gu­rança, ho­mens e mu­lheres como os de­mais, que se con­frontam com os cortes nas suas re­mu­ne­ra­ções, o des­pe­di­mento de fa­mi­li­ares, a au­sência de em­prego para os fi­lhos ou de ca­pa­ci­dade para os manter a es­tudar, as cres­centes di­fi­cul­dades com que os seus pais se con­frontam nas suas re­formas, apoios so­ciais e acesso à saúde, a que se somam os pro­blemas de ín­dole sócio-pro­fis­si­onal e o ob­jec­tivo do Go­verno de os uti­lizar como braço ar­mado da sua po­lí­tica de de­sastre na­ci­onal.

Sendo certo que cada vez mais se co­loca a ne­ces­si­dade de os pro­fis­si­o­nais das forças e ser­viços de se­gu­rança, co­nhe­cerem e do­mi­narem ainda me­lhor os ins­tru­mentos le­gais e os prin­cí­pios cons­ti­tu­ci­o­nais, o quadro de di­reitos, li­ber­dades e ga­ran­tias dos ci­da­dãos, co­loca-se também aos tra­ba­lha­dores, a todos os que lutam contra esta po­lí­tica, o não pres­cin­direm do exer­cício dos di­reitos cons­ti­tu­ci­o­nal­mente con­sa­grados, na cer­teza de que só a rup­tura com esta po­lí­tica pode abrir um real ca­minho de pro­gresso e de­sen­vol­vi­mento.



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