As ilhas afortunadas

Carlos Lopes Pereira

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A Re­pú­blica de Cabo Verde fes­tejou 37 anos, entre o or­gulho pelo ca­minho per­cor­rido e a in­cer­teza face ao fu­turo.

A 5 de Julho de 1975, na Praia, Aris­tides Pe­reira, Pedro Pires, Abílio Du­arte e ou­tros di­ri­gentes do PAIGC, idos das matas da Guiné-Bissau, onde com­ba­teram de armas na mão o co­lo­ni­a­lismo por­tu­guês, jun­taram-se aos mi­li­tantes saídos da clan­des­ti­ni­dade nas ilhas e na diás­pora e pro­cla­maram a in­de­pen­dência de Cabo Verde em nome do povo.

A essa ce­ri­mónia do nas­ci­mento do novo Es­tado as­sistiu o pri­meiro-mi­nistro do Por­tugal de Abril, ge­neral Vasco Gon­çalves, que pro­feriu um dis­curso ga­ran­tindo o apoio do seu go­verno e do Mo­vi­mento das Forças Ar­madas à in­de­pen­dência dos povos das ex-co­ló­nias.

Por essa al­tura, na Eu­ropa, Mário So­ares, Spí­nola e ou­tros cons­pi­ravam por «so­lu­ções» ne­o­co­lo­ni­a­listas: não tendo con­se­guido im­pedir a li­ber­tação da Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Prín­cipe e Mo­çam­bique, tudo fa­ziam para sa­botar a emer­gência da Re­pú­blica Po­pular de An­gola, que o MPLA e Agos­tinho Neto ha­viam de de­clarar em Lu­anda a 10 de No­vembro desse ano.

Ao longo destas mais de três dé­cadas e meia, o pe­queno e árido ar­qui­pé­lago de Cabo Verde, ou­trora con­si­de­rado um es­tado «in­viável», trans­formou-se pro­fun­da­mente. Sem grandes re­cursos na­tu­rais, com meio mi­lhão de ha­bi­tantes nas nove ilhas po­vo­adas e cen­tenas de mi­lhares de emi­grantes um pouco por todo o mundo, atingiu êxitos no­tá­veis na saúde, na edu­cação, na jus­tiça, na cul­tura, nos trans­portes, no am­bi­ente, sendo hoje con­si­de­rado um país de de­sen­vol­vi­mento médio e apon­tado como exemplo de boa go­ver­nação em África.

Cabo Verde tem um re­gime po­lí­tico con­so­li­dado. De­pois dos pri­meiros 15 anos de «de­mo­cracia de par­tido único» (1975-1990), o Par­tido Afri­cano da In­de­pen­dência de Cabo Verde (PAICV) de Aris­tides Pe­reira, então pre­si­dente da Re­pú­blica, e de Pedro Pires, pri­meiro-mi­nistro, abriu o re­gime ao mul­ti­par­ti­da­rismo – e per­ma­neceu du­rante uma dé­cada na opo­sição. O país foi go­ver­nado nesse pe­ríodo pelo Mo­vi­mento para a De­mo­cracia (MpD), de centro-di­reita. Em 2001, Pedro Pires con­quistou nas urnas a pre­si­dência da Re­pú­blica, onde es­teve dois man­datos, até ao ano pas­sado, e o PAICV li­de­rado por José Maria Neves re­gressou ao go­verno, onde se mantém, agora no ter­ceiro man­dato, até 2016. No final de 2012 o par­tido es­co­lherá um líder em elei­ções di­rectas e de­pois reu­nirá o con­gresso.

No pas­sado 1 de Julho, en­tre­tanto, em elei­ções au­tár­quicas, o MpD re­forçou a mai­oria a nível local, ga­nhando 14 mu­ni­cí­pios – in­cluindo a ca­pital Praia e o Min­delo, em S. Vi­cente –, contra oito do PAICV. Foi a se­gunda der­rota elei­toral con­se­cu­tiva do par­tido do go­verno, de­pois de em 2011 se ter di­vi­dido e per­dido as pre­si­den­ciais para o can­di­dato opo­si­ci­o­nista, Jorge Fon­seca, ac­tual chefe do Es­tado.

Es­perar o me­lhor

No plano eco­nó­mico, a agri­cul­tura, a pesca, o tu­rismo e os ser­viços são os pi­lares do cres­ci­mento, cujo ritmo abrandou em 2011 para 5,1por cento do PIB.

Os pro­blemas so­ciais são ainda sig­ni­fi­ca­tivos – da po­breza e do de­sem­prego às ca­rên­cias de água e energia, pas­sando pelo trá­fico e con­sumo de droga e pelo au­mento da vi­o­lência ur­bana.

Cabo Verde de­pende, em grande me­dida, do ex­te­rior para fi­nan­ciar a eco­nomia – as re­messas dos emi­grantes, o in­ves­ti­mento es­tran­geiro e a co­o­pe­ração in­ter­na­ci­onal. Por isso há apre­en­sões em re­lação ao fu­turo, como acen­tuou o pre­si­dente da Re­pú­blica neste 37.º ani­ver­sário da in­de­pen­dência: «Na nossa su­bre­gião oeste-afri­cana reinam a ins­ta­bi­li­dade, a in­cer­teza, com al­gumas hon­rosas ex­cep­ções. Golpes mi­li­tares, in­con­sis­tência go­ver­na­tiva, vi­o­lência po­lí­tica, ter­ro­rismo, in­to­le­rância e ex­tre­mismo re­li­gioso, enormes di­fi­cul­dades eco­nó­micas, trá­fico de droga em larga es­cala, Es­tados fa­lhados em que a au­to­ri­dade pú­blica não tem meios, nem ins­ti­tui­ções, nem pres­tígio para impor a lei, e as grandes di­fi­cul­dades da nossa or­ga­ni­zação re­gi­onal, a CE­DEAO, em dar res­posta a estas ques­tões ur­gentes e ex­tre­ma­mente graves».

Por outro lado, se­gundo Jorge Fon­seca, a crise fi­nan­ceira e eco­nó­mica que afecta um nú­mero cres­cente de países eu­ro­peus ameaça es­tender-se a todo o es­paço do euro, moeda à qual o es­cudo de Cabo Verde «está li­gado de forma es­tável há mais de uma dé­cada», pelo que «é im­pe­ra­tivo que es­te­jamos pre­pa­rados para os ce­ná­rios mais pes­si­mistas, mesmo es­pe­rando sempre o me­lhor».

Ha­bi­tu­ados a su­perar di­fi­cul­dades, os cri­oulos são uns in­cor­ri­gí­veis op­ti­mistas quanto ao fu­turo co­lec­tivo.

O his­to­ri­ador bri­tâ­nico Basil Da­vidson, pro­fundo co­nhe­cedor da luta con­du­zida pelo PAIGC e por Amílcar Ca­bral, es­creveu em 1988 «As Ilhas Afor­tu­nadas», um livro sobre o per­curso de Cabo Verde desde o sé­culo XV até aos pri­meiros anos da edi­fi­cação do Es­tado.

Bom pro­sador, Da­vidson – que morreu em 2010 com 96 anos – di­verge de Ca­mões em «Os Lu­síadas» e in­siste que no Atlân­tico não são as Ca­ná­rias mas Cabo Verde as ilhas afor­tu­nadas – pela sua be­leza sin­gular, pelo seu povo tra­ba­lhador, pela exem­plar luta in­de­pen­den­tista. Além disso, fi­lo­sofa, «as ilhas onde se en­con­travam as Hes­pé­rides só po­diam ser as de Cabo Verde: em que outro lugar destas águas se podem ver tão ma­ra­vi­lhosas mu­lheres?».



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