O sofisma da «morte» dos dirigentes desportivos
O desaparecimento dos dirigentes desportivos voluntários, benévolos, que desenvolvem um trabalho constante nos seus clubes, é anunciado em todo o lado. As próprias federações desportivas são, em muitos casos, as mais acérrimas defensoras deste desaparecimento, posição que assume uma importância especialmente elevada devido à sua «conquista» verdadeiramente hegemónica de uma posição dominante em todo o sistema Desportivo Nacional e que influência decisivamente a chamada «opinião pública».
Argumenta-se que os clubes estão a desaparecer, com eles os seus dirigentes e que, seja como for, estas antigas instituições, pelas suas características, já não são capazes de responder às novas necessidades. Ora, tudo isto é falso e contradiz, frontalmente, a evolução que se verifica na realidade, mas tudo isto pode ser dito porque continuamos a não possuir estudos fiáveis sobre o que se passa neste sector da actividade social. E esses estudos não são feitos (e deviam sê-lo, antes do mais, pelas universidades sustentadas pelo Estado e pelas próprias federações e seus organismos representativos) porque, num caso, pouco interessa a realidade e noutro porque não convém.
Ano após ano, década após década, durante mais de um século, os dirigentes associativos voluntários do nosso país desenvolveram um trabalho constante que foi o único que garantiu o desporto que fomos tendo (e continuamos a ter). Esses homens, que hoje são, certamente, várias dezenas de milhares e algumas mulheres (bem poucas comparativamente), trabalhando no seu clube sem receberem qualquer remuneração em troca, foram sempre olhados com estranheza e nunca viram a sua acção devidamente reconhecida.
Até há 20 – 25 anos essa acção foi desvalorizada porque não se inseria na visão de um trabalho útil. De aí para cá, e agora cada vez mais fortemente, considera-se como completamente desadequada à sociedade actual, até porque esses indivíduos não possuem capacidades, nem qualificação, para resolverem os problemas a que lançaram mãos: dirigir os clubes e contribuir para a difusão da prática desportiva. Tanto mais que esta organização, ainda por cima, não visa obter lucros financeiros e o trabalho, ao contrário do que se defende por todo o lado, é feito desinteressadamente do ponto de vista financeiro. Além disso, todos falam nessas desadequações, mas ninguém define qual o sentido daquela qualificação.
Enfim, estão desajustados à sociedade pós-moderna e pós-industrial. Devem, por isso, desaparecer e ser substituídos por outro tipo de organizações, mais eficazes, e, especialmente financeiramente mais rentáveis, e os seus dirigentes devem ser devidamente qualificados para garantir esta rentabilização, mas a sua remuneração financeira é indispensável. Não pensar em «estatuto» compensador, mas, pura e simplesmente, numa remuneração que lhes permita profissionalizarem-se e que é garantida pela gestão da «empresa privada» em que o clube desportivo se deve transformar.
Pode dizer-se que esta é uma forma demasiado simplista de expor a questão.
Todavia, o que não é nada simplista é que o número de clubes desportivos e dos seus dirigentes não tem cessado de aumentar e é, no presente, bem maior do que era há 30 anos – apesar da incompreensão geral, das dificuldades e da falta de reconhecimento da sua acção pelos poderes públicos. Portanto, aquilo que se afirma sobre o seu desaparecimento, não é mais do que um dos muitos sofismas que continuam a prevalecer na nossa sociedade.
Podemos ver essa evolução no Quadro anexo que se apresenta para que o leitor fique com uma noção clara dessa evolução. (Infelizmente só o podemos fazer para a Região Centro, a única que realizou um estudo deste tipo, com um mínimo de seriedade. Mas estamos convencidos que este traduz, com variações próprias mas pouco significativas a evolução nacional global *).
Este quadro síntese, obtido a partir de estudos que abrangem cerca de 20% da população nacional, demonstra como está enganada a opinião pública em relação à situação do associativismo desportivo (se multiplicarmos por 5 o n.º obtido pode-se pensar numa população próxima dos 100 000 dirigentes actuando em todo o País). Além disso, contraria a ideia de muitos «técnicos» de que o dirigente associativo está condenado a desaparecer por ineficácia e ausência de significado e valor social. No fundo trata-se de um fenómeno que, em toda a sua complexidade, contraria abertamente certas teses muito correntes do neoliberalismo, com uma particularidade importante dele se manifestar com tanto mais força quanto está desenvolvida a sociedade.
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Ano de fundação dos Número de clubes Número de dirigentes
clubes desportivos existentes estimados (12dirigentes/clubes)**
1900..................................65...............................780
1930................................146..............................2752
1974................................511..............................6132
1985...............................1088............................13056
1992...............................1430............................17800
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*Dados recolhidos em A. Melo Carvalho – O Clube Desportivo Popular – Edit. Campo das Letras, Porto.
** Considera-se unicamente os elementos eleitos (assembleia geral – 3, Direcção - 4, Conselho Fiscal – 3), ficando de fora todos os seccionistas e outros colaboradores que também exercem funções directivas, e que, num clube médio representará um aumento significativo não calculável por falta de informação.