28.º regime: um offshore federal para as multinacionais
O relatório Draghi propunha a criação de um 28º regime jurídico e a Comissão Europeia assumiu essa intenção no seu Programa de Trabalhos para 2025 e no documento designado de “Bússola para a Competitividade”.
O que está em causa é a criação de um off-shore jurídico de natureza federal, configurado à medida dos interesses das multinacionais e capaz de sobrepor-se a todas as regras legais que possam constituir-se como um obstáculo a tais interesses.
A designação de 28.º regime jurídico é esclarecedora. O que se pretende é criar legislação especial da UE para as multinacionais para que estas não tenham a “maçada” de ter de lidar com 27 legislações nacionais.
Os pretextos da proposta são a aposta na inovação, os ganhos de escala das empresas europeias para que possam competir com as suas concorrentes americanas ou chinesas, a simplificação de regras e procedimentos perante o carácter transfronteiriço de investimentos como as interconexões energéticas ou a multiterritorialidade de projectos de grande dimensão que exigem investimentos partilhados por vários países e regiões, a facilitação do acesso ao financiamento comunitário, a intenção assumida de impedir “a possibilidade de os projectos serem bloqueados por interesses nacionais individuais” (Relatório Draghi).
Claro está que um regime desta natureza só tem interesse relativamente aos entraves que as legislações nacionais possam colocar aos interesses das multinacionais e na medida em que se pretenda afastá-los. Sem sublinhar isso não se compreenderá a verdadeira razão e objectivos da proposta de que se está a tratar. E só sublinhando isso se compreende porque se anuncia que esse 28.º regime jurídico “simplificará as regras aplicáveis e reduzirá os custos do fracasso” (Bússola para a Competitividade), bem como a razão pela qual se pretende que inclua “quaisquer aspectos relevantes do direito das sociedades, legislação em matéria de insolvência, trabalho e fiscalidade” (Programa de Trabalhos).
A intenção de contornar as legislações nacionais quando constituem um entrave aos interesses das multinacionais não é nova. Considerando, precisamente, o fracasso de tentativas anteriores, o próprio Relatório Draghi dá o mote às soluções a considerar para que desta vez seja bem sucedida: o afastamento da regra da unanimidade nas votações do Conselho, recorrendo à votação por maioria qualificada por via da chamada “cláusula passerelle”; ou a utilização do regime da cooperação reforçada, de forma a que, por essa via, os Estados-Membros possam ser “obrigados” a aderir a um regime “voluntário” desta natureza e alcance.
Num regime destes, que lugar ficará reservado para as preocupações com os trabalhadores, a consideração dos seus direitos e a resposta aos seus problemas? Que impactos dele resultarão para a economia nacional e as empresas portuguesas, sobretudo as MPME? Que papel estará reservado para Portugal neste processo político e em que condições ficaremos no que à defesa do interesse nacional diz respeito se ele for por diante?