Vozes da paz não entram no ar

A guerra é presença assídua em todos os órgãos de comunicação social. O discurso belicista e apologético do militarismo ocupa o espaço mediático, mais das vezes sem contraditório – não porque exista um consenso na sociedade portuguesa em torno da ideia de dispensar a manteiga para investir em armas, como comprovou a grande manifestação pela paz de dia 18, mas porque os media dominantes se assumem como instrumentos na massiva campanha de propaganda do complexo militar-industrial e dos seus agentes de relações públicas.

Um destes, o Secretário-Geral da NATO, visitou o nosso país na passada segunda-feira com uma missão simples: assegurar do Governo e do Presidente da República a renovação do compromisso que amarra o Estado português à submissão aos interesses da indústria da guerra. Foi a denúncia desta operação que justificou a declaração do Secretário-Geral do PCP, no próprio dia. Seria com espanto, não fosse este mais um episódio de um longo percurso, que se constataria a ausência absoluta desta declaração dos principais noticiários televisivos e das edições impressas dos jornais diários.

Sendo ainda mais claro: o Secretário-Geral da NATO vem a Portugal exigir, em tom de ameaça velada, mais investimento em armas (se necessário, à custa da saúde ou das pensões, como já afirmou); há quem se submeta ao papel subserviente de bom aluno; também há quem recuse o caminho da barbárie e da transferência de recursos das funções sociais do Estado para a indústria da morte. Os dois primeiros têm amplo espaço mediático, os terceiros são excluídos.

Não sobra espaço para dúvidas de que todos, neste filme, tomam partido. Nem sobram dúvidas do carácter deliberado da omissão: as três estações de televisão generalistas marcaram presença na declaração e, no caso da RTP e da SIC, até houve uma parte que chegou a passar nos seus noticiários: não sobre a matéria que a justificou, mas uma resposta a uma questão lateral. Não se discute a relevância da questão (sobre uma outra negociata a envolver o Governo), mas a opção denota que, quando é difícil justificar o simples silenciamento, há sempre outros meios para atingir o fim pretendido.

A data coincidiu com uma efeméride que ajudaria a ter presente os perigos para a humanidade que representa o investimento sem limites em meios de chacina cada vez mais sofisticados, os 80 anos da libertação do campo de extermínio de Auschwitz, pelo Exército Vermelho. A data foi assinalada no espaço mediático, com a inevitável reescrita da história seja pela ocultação do papel incontornável da União Soviética na derrota da barbárie nazi-fascista, seja por artifícios de linguagem para negar factos, promover falsificações, exacerbar preconceitos. Neste último plano, é paradigmática a opção do jornalista João Silvestre na newsletter diária do Expresso: «Foi há 80 anos que os russos ‘libertaram’ Auschwitz, na Polónia», escreveu, assim, com aspas. Foram milhões os soviéticos que deram a vida para essa libertação, sem aspas, da máquina de extermínio montada com o contributo central dos conglomerados industriais capitalistas alemães.

 



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