Invencível

Gustavo Carneiro

Correram mundo, há dias, as impressionantes imagens de centenas de milhares de palestinianos a regressarem ao norte da Faixa de Gaza, de onde foram forçados a sair pelas bombas israelitas. Filas intermináveis de gente, a caminhar, levando consigo o pouco que lhes resta (toda uma vida em sacos de plástico transportados à cabeça). Eram homens, mulheres, jovens, crianças, idosos, grávidas, mutilados, alguns caminhando penosamente, mas caminhando. Sempre. Orgulhosamente. Para voltarem a casa, ou ao que dela ainda reste.

Desengane-se quem viu nestas imagens qualquer tipo de desorientação, como se alguém ali simplesmente vagueasse sem destino. Todos regressavam à terra que é sua, que sempre foi sua – achem o que acharem e desejem o que desejarem os ocupantes genocidas em Telavive e os seus cúmplices em Washington. E quando se diz todos é mesmo todos: os que sabiam que a sua casa tinha sido destruída e a família morta; os que aguardavam ansiosamente o reencontro com pais ou filhos, que a brutalidade israelita separou mas não conseguiu matar; os que iam em busca dos familiares que ainda restassem, se restasse algum…

Apesar do esforço, do inimaginável terror por que passaram, dos entes queridos que perderam, das feridas que transportarão pela vida fora, os palestinianos regressaram como vencedores, pois o cessar-fogo foi uma vitória (embora não ainda «A» vitória) da sua coragem, da sua tenacidade, da sua resistência: o projecto sionista para a Faixa de Gaza era, e continua a ser, muito mais ambicioso – e aqueles milhares de pessoas não fazem parte dele. Resistir (e, neste caso, simplesmente existir) é já vencer.

Para Lubna, uma das palestinianas que regressou ao norte de Gaza, «o calor do reencontro foi ofuscado pela amarga realidade: já não temos casa». Algo parecido disse Wafaa: «estamos muito felizes, mas também estou triste por saber que vou chegar à Cidade de Gaza e a minha casa já lá não está.» Sabrine, que se confessa satisfeita por ter voltado juntamente com a sua família, relata que ali resta «sobretudo ruínas e destruição, quem encontrar a sua casa de pé, ou até mesmo apenas um quarto, pode considerar-se um felizardo».

Mas o mais importante «é estarmos de volta», sublinha Yasmin, mãe de três filhos. «Foi como se tivesse nascido outra vez, somos novamente vitoriosos», afirma Umm, também ela uma mãe palestiniana. Já Muhammad fala de um «grande dia, incrível». Chegados às suas terras, aos destroços do que em tempos foram as suas casas, deitaram de imediato mãos à obra. Retiraram entulho, reergueram paredes, procuraram os seus mortos, montaram tendas. E isto é só o início. Gaza, acreditam, vai renascer e «mais bonita do que nunca».

Um povo assim é invencível!

 



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