Tempos perigosos

Luís Carapinha

O declínio económico dos EUA não foi revertido

Não era preciso esperar pelo regresso de Trump à Casa Branca para fazer soar o alarme da «democracia sob ameaça». Biden descobriu na hora da despedida que uma «oligarquia de extrema riqueza, poder e influência» está a tomar conta do país. Mas não é essa, na essência, a história do capitalismo, ainda mais na sua fase imperialista? E, concretamente, não é esse, por excelência, o sistema de poder que Biden serviu durante décadas em posições do topo da classe dirigente? Um estado até à medula moldado pelo monopólio dos grandes interesses e lucros privados, em que até o Banco Central (Reserva Federal) é, fundamentalmente, uma entidade privada.

Fixar o oportunismo farisaico das suas declarações não equivale a subestimar a expressão concentrada de reaccionarismo que constitui a presente Administração e o perigoso pendor antidemocrático dos sectores que Trump encarna. Mas é verdade que, independentemente da forma e actores, o curso remoto do sistema capitalista, na fase actual de crise geral, agravada depois de 2008, com as suas agudas e insanáveis contradições, move-se em direcção a um horizonte de fascização. A inaudita concentração e centralização da riqueza e economia capitalista e a sua crescente financeirização, projectada à escala global, não pode deixar de se repercutir no plano político e superestrutura no seu todo. Tal como, neste contexto, a apropriação pelas grandes corporações privadas das novas conquistas e meios tecnológicos em vários domínios, no âmbito da chamada 4.ª revolução industrial, tendo como motor a Inteligência Artificial, só pode acentuar (e elevar a um novo patamar) o carácter explorador e alienador do neoliberalismo e do imperialismo. Aprofundando, simultânea e inexoravelmente, desequilíbrios e clivagens. Algo bem visível na economia e política norte-americanas.

É aqui que se enquadra e emergência de Musk e companhia. O «fenómeno Trump», com toda a sua «imprevisibilidade» e desconcerto, não é a causa, mas sim o efeito, da crise que grassa desde o interior do centro imperialista.

Não passam de um mito e (auto-)engano as considerações recorrentes no discurso dominante sobre o estado invejável da economia dos Estados Unidos. É exactamente o oposto. O declínio não foi revertido. A emergência das gigantes tecnológicas apenas mascara a baixa tendencial das taxas de lucro. A tirania dos monopólios privados e do polvo de Wall Street continua a socavar a economia produtiva e a cavar o fosso das desigualdades sociais. O endividamento colossal dos EUA, maior devedor mundial, é insustentável. Só se mantém enquanto o dólar permanecer a moeda de reserva internacional. As ameaças de Trump aos BRICS e os esforços para reorientar prioridades com o foco na China – a «grande ameaça existencial» – são também reveladores da ansiedade estratégica em Washington.

A nova velha arrogância imperial, não poupando aliados-vassalos, o militarismo desenfreado e o recurso à guerra mostram uma faceta irracional. Podem significar a catástrofe global, mas não reverter a estagnação sistémica e a transição em curso no mundo.

A «democrática» ordem internacional liberal em perigo? Olhem para o último relatório da Oxfam: «o Norte Global (...) e as suas instituições globais» continuam a «extrair milhares de milhões de dólares do Sul Global». Só pelo sistema financeiro quase 1 bilião de dólares, em 2023.



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