O mordomo
José Manuel Durão Barroso, lembram-se dele? Pois bem, esteve há dias em Lisboa a participar no Seminário Diplomático, evento anual promovido pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, criado – como fez questão de lembrar – quando ele próprio era ministro, nos tempos de má memória do cavaquismo. Convidado a substituir a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen (que não pôde comparecer por motivos de saúde), garantiu que o que ali diria apenas o responsabilizava a ele e a nenhuma instituição, fosse ela nacional ou internacional.
E o que disse Durão Barroso? Desde logo que é «pouco provável, para não dizer quase impossível», uma solução de paz definitiva no Leste da Europa e que «temos» de estar preparados para a guerra. Mas foi mais longe: que os «nossos filhos» e os «nossos netos» possam vir a ser mandados para a guerra, afirmou, é algo que hoje «não podemos excluir». Era útil que começasse por explicar quem é o “nós” a que se refere, pois até ver o único local para onde os filhos dele foram mandados foi – um deles – para o gabinete do ministro das Finanças… Já o que propõe é de mais fácil compreensão: mais armas, mais confrontação, mais guerra – de preferência, claro, travada pelos filhos dos outros.
Sobre a «Rússia de Putin» e a «Ucrânia democrática», Durão Barroso garantia que falava com propriedade e conhecimento de causa, pois era presidente da Comissão Europeia em 2014, aquando do golpe de Estado de Fevereiro, que o discurso político e mediático dominante se apressou a baptizar de “revolução”: «Foi a minha comissão que negociou com a Ucrânia [o acordo de associação com a UE]», que o presidente eleito Yanukovitch acabaria por rejeitar, por conter imposições inaceitáveis para a soberania ucraniana (nós, por cá, conhecemo-las bem).
Pena que não tenha recorrido a todo esse conhecimento para lembrar responsabilidades próprias (e da “sua” Comissão) no reforço das organizações belicistas, russófobas e neonazis que assumiram o poder na Ucrânia ou no crescente enfeudamento da UE e dos seus Estados-Membros à NATO, hoje consagrado nos próprios tratados. E podia também ter recordado o episódio em que Victoria Nuland, subsecretária de Estado de Obama-Biden, foi apanhada a escolher os membros do novo governo ucraniano, numa conversa com o embaixador dos EUA em que ficou célebre o revelador desabafo «que se lixe a UE». No campo imperialista mandam os norte-americanos, ora essa… Durão Barroso bem o sabe, ou não lhes devesse a carreira internacional – na Comissão Europeia, para onde foi, abandonando a chefia do governo do País, ou no todo-poderoso Goldman Sachs –, como pagamento pelos serviços prestados enquanto mordomo na cimeira da Lajes, onde se decidiu a invasão e destruição do Iraque.
E o mordomo, sabemo-lo, só fala quando lhe mandam.