Relatórios

Anabela Fino

Cerca de um quarto de século depois de a Cimeira de Lisboa, em Março de 2000, ter aprovado como objectivo estratégico tornar a União Europeia na «economia mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos, e com maior coesão social», o compromisso que ficou conhecido como “Estratégia de Lisboa” não passa de um relatório, mais um, esquecido na gaveta das demagogias.

Nunca assumindo o fracasso da sua política mas também não o podendo ignorar, tal a dimensão do descalabro com que está confrontada, a Comissão Europeia não encontrou melhor solução do que encomendar a Mário Draghi, ex-dirigente da Goldman Sachs, ex-presidente do Banco Central Europeu e ex-primeiro-ministro de Itália, um relatório sobre a competitividade europeia.

Um ano e quatrocentas páginas depois o relatório Draghi constata o que já toda a gente sabia: a perda de competitividade da economia europeia face à dos Estados Unidos e à da China; o falhanço do pretenso “mercado livre” que a UE acefalamente defende; e a escassez do investimento privado.

A solução de Draghi para dar a volta à economia europeia é simples: «um investimento anual adicional mínimo de 750-800 mil milhões de euros, o que corresponde a 4,4-4,7% do PIB europeu.» Para quem ache muito, o relatório refere, a título de comparação, que as despesas de investimento durante o Plano Marshall, entre 1948 e 1951, representaram 1 a 2% do PIB europeu. As medidas preconizadas para estimular a economia, que vão desde a concentração do capital europeu à mutualização de dívidas, sem esquecer o habitual investimento público em benefício das grandes empresas, não diferem das políticas de classe seguidas até aqui e que se traduzem no agravamento das condições de vida da maioria da população e no aprofundamento das desigualdades sociais. Convém lembrar que os mais recentes dados do Eurostat sobre as condições de vida indicam que 94,6 milhões de pessoas na UE estão em risco de pobreza ou exclusão social, ou seja, 21,4% da sua população.

E porque é do futuro que o relatório Draghi trata, é de recordar o relatório da antiga deputada do PCP no Parlamento Europeu, Sandra Pereira, aprovado na sessão plenária do PE no final do ano passado, dando conta de que uma em cada quatro crianças na UE é vítima de pobreza e exclusão social. Como então disse, este «indicador reflecte, para além da propaganda e dos anúncios inconsequentes, os impactos das políticas promovidas pela UE, marcadas pelo desrespeito por direitos, pela precariedade laboral, pela liberalização e privatização, pelo desinvestimento nas funções sociais do Estado».

A UE pode estar confrontada com um «desafio existencial», como diz Draghi, mas a panaceia proposta – aumentar a factura dos “suspeitos” do costume – só serve para alimentar a extrema-direita. A casa já está a arder e relatórios não apagam fogos.



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