Congresso «Mulheres na luta contra o fascismo e o colonialismo»

O Congresso Internacional «Mulheres na luta contra o fascismo e o colonialismo» contou com intervenções de estudiosas e investigadoras de Portugal, Angola, Cabo Verde, Guiné, Moçambique e S. Tomé e Príncipe.

A experiência humana ligada à vida acarreta sempre inovação e transformação

O Congresso – aberto a muitos convidados – decorreu nos dias 8 e 9 de Novembro no Arquivo Nacional da Torre do Tombo e na Casa do Alentejo, em Lisboa, e foi organizado pelo Movimento Democrático de Mulheres (MDM), numa parceria com o Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa e o Centro de Estudos Comparistas da Faculdade de Letras de Lisboa, no quadro de um financiamento obtido através do Instituto Camões.

Tratou-se de uma reunião no quadro das acções comemorativas dos 50 anos do 25 de Abril, que o MDM tem vindo a promover com formatos diversos, com o objectivo de inserir o olhar das mulheres e visibilizar a sua participação nas lutas que se desenvolveram contra o fascismo e o colonialismo, e na própria construção de um Abril esperançoso com alterações profundas na vida das mulheres e dos povos africanos.

Com essa ideia inicial relevou-se a importância da convergência entre as organizações de mulheres que, em Portugal e nas colónias, travou uma luta para derrubar o fascismo e alcançar a liberdade.

Verdade
Procurou-se nesta reunião tirar da invisibilidade e do anonimato muitas mulheres. Na discussão e nas diversas apresentações, elas saíram dos ficheiros da PIDE e de muita documentação dispersa, desde a repressão fascista sobre escritoras, censurando as suas vozes, ou evidenciando a dureza da vida nas cadeias de africanas vivendo em Portugal, de nacionalidade portuguesa, porque às colónias se chamava províncias ultramarinas, também elas perseguidas pelas suas ideias.

Algumas dessas mulheres foram nomeadas e recordadas por investigadoras que buscam uma verdade fundamentada no conhecimento, memórias e histórias emocionantes por serem contadas de viva voz por guerrilheiras de Moçambique e de Angola e por representantes de várias organizações que foram sendo construtoras dos seus países.

Testemunhos
A solidariedade e a luta comum contra o fascismo teve expressão concreta nas palavras de Conceição Matos. «Na prisão [de Caxias] e cá fora, convivi com várias mulheres envolvidas na luta pela libertação nacional, como a Astride, jovem angolana estudante no [Instituto Superior] Técnico e que frequentava a Casa dos Estudantes do Império, que foi fechada pela PIDE», recordou, frisando que a Astride, «uma companheira muito empenhada na luta pelo MPLA» e que um dia escreveu na cela, que dividia com Conceição Matos. a canção «O gafanhoto» (que era Salazar), simultaneamente «uma denúncia do fascismo e de esperança de liberdade para o seu País». Na prisão conheceu também Arminda Faria, uma outra angolana, enfermeira e militante do MPLA, «uma mulher muito confiante na luta pela liberdade» e privou com a Vitória, médica angolana, mulher do Joaquim Pinto de Andrade, um dos fundadores do MPLA que estava preso na Fortaleza de Peniche, com o seu companheiro, Domingos Abrantes. «Viajámos para Peniche e juntas partilhámos da solidariedade de penichenses para com as famílias dos presos», lembrou Conceição Matos, acrescentando: «A Vitória participou também na luta das famílias para a melhoria das condições prisionais». Tornou-se ainda amiga de Alda Espírito Santo, poetisa de S. Tomé, que foi ministra da Cultura e da Educação. «Sempre que vinha a Portugal e na minha casa conversávamos longas horas sobre a nossa luta comum e as esperanças de novas vidas para os nossos países», afiançou.

Reconhecimento
Também testemunhos de convergência e amizade são as cartas escritas para o MDM de agradecimento e reconhecimento, de saudação e esperança pelo 25 de Abril, que, de facto, foi de todas. Por isso tudo, nas comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos, e segundo Regina Marques, o MDM considerou absolutamente necessário não esquecer a acção convergente, e tantas vezes solidária, dos movimentos que em Portugal lutavam contra o fascismo e contra a guerra colonial, com a acção dos movimentos de libertação das colónias. Também não foram esquecidas as mulheres que, nos países colonizados por Portugal, lutavam pela sua independência.

«Após o 25 de Abril e as independências das ex-colónias portuguesas, a construção destas novas sociedades exigiu das mulheres esforços redobrados no combate à pobreza e à fome, pela alfabetização das mulheres e pela educação em pé de igualdade, no combate pelo direito à saúde e à habitação. Estas lutas, tanto em Portugal como nos países tornados independentes (Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe), tiveram nas mulheres as suas grandes protagonistas. Hoje, elas e as suas organizações são ainda a vanguarda do desenvolvimento das suas raízes, encarando com criatividade novas formas de agir, pensar e transformar as suas sociedades», destacou Regina Marques. Terminou citando as palavras de Amílcar Cabral, fundador e Secretário-Geral do PAIGC: «Temos de ser cada dia mais capazes de pensar muito os nossos problemas para podermos agir bem, e agir muito para podermos pensar cada vez melhor. Pensar para melhor agir», e de Álvaro Cunhal, que muitas vezes disse: «Mulher toma nas tuas mãos a defesa dos teus direitos».

«Ninguém nos deu os direitos que temos, fomos nós que os conquistámos e somos nós que, volvidos 50 anos do 25 de Abril, não os podemos perder», concluiu Regina Marques.

 

«Foi um fascismo de mãos dadas com o poder colonial»

Ana Souto alertou para o ascenso de forças ultra-radicais e fascizantes. «Cultiva-se a ideia de um pensamento único sem direito à diversidade e a opiniões plurais. Muitos estão na ânsia de reescrever a história negando que tenha havido uma ditadura fascista em Portugal e o seu grande compromisso com o colonialismo», referiu a também dirigente do MDM, lembrando que «o fascismo e o colonialismo andaram de mãos dadas» durante 48 anos «de profunda exploração, obscurantismo e repressão exercidos por um regime autoritário que condenou o povo português ao atraso social, à fome e à miséria, à escuridão, ao silêncio e silenciamentos». «Foi um fascismo de mãos dadas com o poder colonial que matou e estropiou os seus jovens, negou todos os direitos às mulheres, remetendo-as para um papel de subalternização em todas as áreas da vida», continuou.

«Mas elas, apesar de carregarem consigo o peso de uma cultura que tudo fazia para as afastar da participação, estiveram presentes na luta travada pelo povo durante esses 48 anos de fascismo, (…) nos campos, nas fábricas, nas escolas, nas ruas, nas prisões por onde passaram», valorizou Ana Souto, frisando que nas colónias as mulheres «fizeram a guerrilha e viveram no mato, na defesa da liberdade e da libertação».

CRP
Outra das oradoras foi Sandra Esteves, também dirigente do MDM, que falou sobre o «livro mais importante do Estado português», a Constituição da República Portuguesa (CRP), que é «uma das mais poderosas armas contra o fascismo, o colonialismo, o imperialismo e o patriarcado» e «um instrumento jurídico tão importante na defesa dos direitos, liberdades e garantias, como seja a independência e soberania dos povos e os direitos das mulheres». «A CRP é, por isso, mais do que uma lei, é um verdadeiro escudo protector contra os ataques ao Estado de direito democrático, aos direitos humanos, aos direitos das mulheres, à soberania dos povos e em defesa da paz».

 



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