Contracorrente
«Da Venezuela à Ucrânia, a política externa deixa o PCP em contracorrente.» É este o título de uma extensa peça do Público, dada à estampa no dia 13, que recorre a diversas fontes (do Gabinete de Imprensa do Partido a entrevistas e discursos de dirigentes, passando pela análise de investigadores e politólogos) para esboçar uma interpretação do «posicionamento do PCP em matérias de relações internacionais». Falha algumas vezes, acerta outras, aqui e ali simplifica demasiado, mas salienta – e com razão – a singularidade das posições dos comunistas face às dos restantes partidos.
O artigo identifica a «visão anticapitalista e anti-imperialista» do PCP, a oposição à «hegemonia dos EUA», o direito que reconhece a cada país de «seguir o seu caminho» e a consequente «oposição a ingerências externas». Acerca disto, esclarece mesmo que esta oposição é independente da natureza do regime em causa, «tenha, ou não, proximidade ideológica e política; encaixe, ou não, na ideia ocidental de democracia» (que – dizemos nós – é mesmo isso, «ocidental», nasceu censitária e está hoje, em muitos países, crescentemente limitada aos seus aspectos meramente formais).
Era interessante que o Público fizesse o mesmo exercício com as outras forças políticas. E daí talvez não valesse a pena, dada a evidente falta de assunto.
É que da parte de PS, PSD e CDS (e, mais recentemente, também da IL e do Chega), as posições em matéria de relações internacionais são sobejamente conhecidas e facilmente explicáveis: submissão total e completa à UE e à NATO, ou seja, aos EUA, pois é na Casa Branca, no Pentágono e nos escritórios do complexo militar-industrial que se define os inimigos, as ameaças e os alvos a abater, os meios a mobilizar e a argumentação a utilizar. A estes partidos, «separados» aqui e ali por meras nuances estilísticas, basta-lhes seguir o guião: assim os vemos, juntos, a clamar por mais armas para alimentar a guerra na Ucrânia (e os lucros da indústria do armamento), a secundar todas as agressões militares e bloqueios impostos pelo imperialismo, a recusar ou a «adiar» o reconhecimento do Estado da Palestina.
Quanto ao BE e ao Livre, sobra em slogans mais ou menos progressistas o que falta em internacionalismo e em coerência: em nome da «democracia», juntam-se ao coro dos que contestam a vitória de Nicolas Maduro na Venezuela, preferindo, ao que parece, o candidato da extrema-direita golpista; em prol da «paz», defendem o reforço da componente militarista da União Europeia (que está, como se sabe, subordinada à NATO); reclamam o reconhecimento do Estado da Palestina, mas querem decidir quem o poderá ou não governar.
Sim, o PCP é contracorrente (também) em matéria de relações internacionais. E ainda bem.