Nenhum Sítio é Deserto

Manuel Augusto Araújo

Todo o tra­balho de Álvaro Siza tem o im­pulso im­pa­rável de pensar de­se­nhando

«Ne­nhum sítio é de­serto» terá um dia Álvaro Siza dito para ex­plicar as op­ções que as­sumiu num dos seus pro­jectos de ar­qui­tec­tura re­fe­rindo-se à va­ri­e­dade e di­ver­si­dade das re­fe­rên­cias, ma­te­riais e ima­te­riais, na­tu­rais, to­po­grá­ficas, cons­truídas, hu­manas, so­ciais, que ex­plora e a que re­corre para dar forma à obra de que irá re­sultar um dos seus pro­jectos. Entre esse mo­mento ini­cial e o final há sempre uma enorme série de de­se­nhos em que se muitos são o tra­balho di­recto do pro­jec­tista ou­tros são de­rivas apa­ren­te­mente sem qual­quer re­lação com o ob­jecto de tra­balho, mas todos mos­trando que para o ar­qui­tecto é im­por­tante pensar a cons­trução dos edi­fí­cios de­se­nhando ab­so­lu­ta­mente tudo, das en­vol­vên­cias ge­o­grá­ficas aos con­textos hu­manos, dos es­paços ar­qui­tec­tó­nicos ao mo­bi­liário: ca­deiras, bancos, pol­tronas, mó­veis, mesas, can­de­eiros. O mesmo cui­dado e rigor com que in­tervém no es­paço ur­bano de que se deve re­ferir a Ala­meda de Hér­cules em Se­vilha, em que trans­formou um es­paço pú­blico pe­ri­fé­rico e de­sin­te­res­sante num pátio vi­brante, ani­mado com cafés e res­tau­rantes, es­paços verdes e ilu­mi­nação es­tu­dada para criar uma at­mos­fera ape­la­tiva. Um es­paço que se tornou aces­sível a pes­soas com mo­bi­li­dade re­du­zida.

Todo o seu tra­balho tem o im­pulso im­pa­rável de pensar de­se­nhando. Em que riscar uma folha de papel branco é tão com­pul­sivo como fumar, suas ima­gens in­dis­so­ciá­veis nos re­gistos fo­to­grá­ficos, fil­mados, nas apa­ri­ções pú­blicas. Uma bu­limia muito par­ti­cular que se vai acu­mu­lando em mi­lhares de de­se­nhos das mais va­ri­adas di­men­sões, muitas vezes tem­pe­rados por um ines­pe­rado e re­quin­tado humor, das de maior for­mato aos dos pe­quenos pa­péis co­lados em maços de ta­baco, re­ve­la­doras de uma ca­pa­ci­dade de tra­balho e de uma ima­gi­nação que não co­nhece fron­teiras, com uma pro­dução cri­a­tiva que é ímpar na his­tória da ar­qui­tec­tura mun­dial.

Álvaro Siza é uni­ver­sal­mente co­nhe­cido e re­co­nhe­cido pela sua obra de ar­qui­tec­tura. Esta ex­po­sição com cen­tenas de de­se­nhos, fo­to­gra­fias, ma­quetes tem duas partes: uma, na ga­leria prin­cipal da sede da Fun­dação Ca­louste Gul­ben­kian, ver­sando a sua ar­qui­tec­tura, em que se mos­tram mesmo al­guns pro­jectos que nunca saíram do papel, a outra, na ga­leria de ex­po­si­ções tem­po­rá­rias do Museu Gul­ben­kian, de­di­cada ao que po­derá clas­si­ficar-se de obra plás­tica. Uma ex­po­sição com base num tra­balho re­a­li­zado, pelo cu­rador Carlos Quin­táns Eiras, ar­quic­teto e crí­tico, que com a ar­qui­tecta Zaida García-Re­quejo, cu­ra­dora as­sis­tente, se con­fron­taram com mais de meio mi­lhão de do­cu­mentos, em vá­rios ar­quivos, do Ca­na­dian Centre for Ar­chi­tec­ture, em Mon­treal no Ca­nadá, à da Fun­dação de Ser­ralves, da Bi­bli­o­teca de Arte da Fun­dação Ca­louste Gul­ben­kian, do centro bri­tâ­nico Drawing Mat­ters ao ate­lier do pró­prio ar­qui­tecto, que dá a co­nhecer um Siza como muito ra­ra­mente ou mesmo nunca tinha sido visto com esta ex­tensão e di­ver­si­dade.

Álvaro Siza Vi­eira, que em 1992 venceu o Prémio Pritzker, o equi­va­lente em ar­qui­tec­tura aos pré­mios Nobel, em 1988 o prémio Mies van der Rohe e a Me­dalha de Ouro do Co­légio dos Ar­qui­tectos Es­pa­nhóis, sendo o único ar­qui­tecto não es­pa­nhol a ser dis­tin­guido com esse prémio, tem obra no­tável em vá­rios cantos do mundo. Desde o seu pri­meiro pro­jecto, as Pis­cinas de Leça de Pal­meira a muitos ou­tros, sejam os de ha­bi­tação so­cial no Porto e em Berlim, os da fun­da­ções de Ser­ralves e Iberé Ca­margo, a Fa­cul­dade de Ar­qui­tec­tura do Porto, o Pa­vi­lhão de Por­tugal na Expo 98, o Edi­fício sobre a Água na China, na ci­dade de Hu­ai’na, o Te­atro-Au­di­tório de Lli­nars del Valles em Bar­ce­lona, são muitas as suas obras que fazem parte da His­tória da Ar­qui­tec­tura Con­tem­po­rânea.

Esta ex­po­sição, que pode ser vi­si­tada na Fun­dação Gul­ben­kian até dia 26 de Agosto, contém dis­po­si­tivos ex­po­si­tivos bem de­se­nhados e con­cre­ti­zados, que su­bli­nham, si­na­lizam e re­velam um Álvaro Siza ar­qui­tecto, de­signer, ar­tista e homem de uma di­mensão uni­versal in­vulgar a que se de­veria acres­centar a sua con­ti­nuada in­ter­venção cí­vica, apoi­ante desde a pri­meira hora da es­querda con­se­quente.



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