- Nº 2644 (2024/08/1)

Nenhum Sítio é Deserto

Argumentos

«Nenhum sítio é deserto» terá um dia Álvaro Siza dito para explicar as opções que assumiu num dos seus projectos de arquitectura referindo-se à variedade e diversidade das referências, materiais e imateriais, naturais, topográficas, construídas, humanas, sociais, que explora e a que recorre para dar forma à obra de que irá resultar um dos seus projectos. Entre esse momento inicial e o final há sempre uma enorme série de desenhos em que se muitos são o trabalho directo do projectista outros são derivas aparentemente sem qualquer relação com o objecto de trabalho, mas todos mostrando que para o arquitecto é importante pensar a construção dos edifícios desenhando absolutamente tudo, das envolvências geográficas aos contextos humanos, dos espaços arquitectónicos ao mobiliário: cadeiras, bancos, poltronas, móveis, mesas, candeeiros. O mesmo cuidado e rigor com que intervém no espaço urbano de que se deve referir a Alameda de Hércules em Sevilha, em que transformou um espaço público periférico e desinteressante num pátio vibrante, animado com cafés e restaurantes, espaços verdes e iluminação estudada para criar uma atmosfera apelativa. Um espaço que se tornou acessível a pessoas com mobilidade reduzida.

Todo o seu trabalho tem o impulso imparável de pensar desenhando. Em que riscar uma folha de papel branco é tão compulsivo como fumar, suas imagens indissociáveis nos registos fotográficos, filmados, nas aparições públicas. Uma bulimia muito particular que se vai acumulando em milhares de desenhos das mais variadas dimensões, muitas vezes temperados por um inesperado e requintado humor, das de maior formato aos dos pequenos papéis colados em maços de tabaco, reveladoras de uma capacidade de trabalho e de uma imaginação que não conhece fronteiras, com uma produção criativa que é ímpar na história da arquitectura mundial.

Álvaro Siza é universalmente conhecido e reconhecido pela sua obra de arquitectura. Esta exposição com centenas de desenhos, fotografias, maquetes tem duas partes: uma, na galeria principal da sede da Fundação Calouste Gulbenkian, versando a sua arquitectura, em que se mostram mesmo alguns projectos que nunca saíram do papel, a outra, na galeria de exposições temporárias do Museu Gulbenkian, dedicada ao que poderá classificar-se de obra plástica. Uma exposição com base num trabalho realizado, pelo curador Carlos Quintáns Eiras, arquicteto e crítico, que com a arquitecta Zaida García-Requejo, curadora assistente, se confrontaram com mais de meio milhão de documentos, em vários arquivos, do Canadian Centre for Architecture, em Montreal no Canadá, à da Fundação de Serralves, da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, do centro britânico Drawing Matters ao atelier do próprio arquitecto, que dá a conhecer um Siza como muito raramente ou mesmo nunca tinha sido visto com esta extensão e diversidade.

Álvaro Siza Vieira, que em 1992 venceu o Prémio Pritzker, o equivalente em arquitectura aos prémios Nobel, em 1988 o prémio Mies van der Rohe e a Medalha de Ouro do Colégio dos Arquitectos Espanhóis, sendo o único arquitecto não espanhol a ser distinguido com esse prémio, tem obra notável em vários cantos do mundo. Desde o seu primeiro projecto, as Piscinas de Leça de Palmeira a muitos outros, sejam os de habitação social no Porto e em Berlim, os da fundações de Serralves e Iberé Camargo, a Faculdade de Arquitectura do Porto, o Pavilhão de Portugal na Expo 98, o Edifício sobre a Água na China, na cidade de Huai’na, o Teatro-Auditório de Llinars del Valles em Barcelona, são muitas as suas obras que fazem parte da História da Arquitectura Contemporânea.

Esta exposição, que pode ser visitada na Fundação Gulbenkian até dia 26 de Agosto, contém dispositivos expositivos bem desenhados e concretizados, que sublinham, sinalizam e revelam um Álvaro Siza arquitecto, designer, artista e homem de uma dimensão universal invulgar a que se deveria acrescentar a sua continuada intervenção cívica, apoiante desde a primeira hora da esquerda consequente.

Manuel Augusto Araújo