BCE suave

Anabela Fino

Se em política não há almoços grátis, em economia não há aterragens suaves: desde 1970, apenas 15% das aterragens suaves bem-sucedidas, isto é, sem recessão ou grande destruição de emprego, foram alcançadas na sequência de choques nos preços da energia, lembrou no início do mês Christine Lagarde, a presidente do Banco Central Europeu, na abertura do Fórum BCE, em Sintra. Na ocasião, alertou que ainda «não está garantida uma aterragem suave da economia» na Zona Euro, nem afastada a possibilidade de novas derrapagens da inflação.

E de quem é a culpa, quem é? Da política belicista da UE? Da submissão acéfala aos interesses dos EUA? Da hostilidade suicida aos países do Sul Global, com a China à cabeça?

Nem pensar. A culpa é dos salários. Nem mais. A garantia é de Lagarde, que a semana passada, na última reunião do BCE antes das «férias grandes» – há quem não saiba o que sejam, mas lá que existem, existem – veio avisar que os «salários ainda estão a subir a um ritmo elevado» e «devido ao carácter faseado dos ajustamentos salariais e ao grande contributo dos pagamentos pontuais, é provável que o crescimento dos custos do trabalho permaneça elevado no curto prazo».

Por isso o BCE manteve as taxas de juro de referência nos 4,25%, para gáudio dos bancos que vão embolsar mais uns milhares de milhões de euros de lucros, e desespero das famílias com empréstimos à habitação.

Habituada às mordomias dos palácios e hotéis de Sintra e seus homólogos internacionais, madame Lagarde terá dificuldade em incluir nas suas análises, no que a Portugal diz respeito, dados como os do INE, segundo os quais, em 2023, estavam no limiar da pobreza 10% dos empregados, 46,7% dos desempregados, 15,4% dos reformados e 31,2% de «Outros Inactivos».

Também lhe passará ao lado o facto de entre 2002 e 2017, em Portugal, o salário-base médio real ter subido de 879 para apenas 925 euros, ou seja, cresceu 0,32% ao ano e 5,2% ao longo de 16 anos! Também será irrelevante que em 2020 Portugal ocupasse a 4.ª pior posição entre os países da UE que integravam o ranking do salário anual médio da OCDE: menos um terço do que a Espanha e menos 90% do que a Alemanha.

Na rentrée, lá para Setembro, o BCE, suaveMente, volta a fazer contas à vida. A nossa, os que pagamos a factura.

 



Mais artigos de: Opinião

Arauta do capital e da guerra

A nomeação de Ursula von der Leyen para um segundo mandato como presidente da Comissão Europeia, para o período 2024-2029, e a sua votação no Parlamento Europeu «obrigou» a uma mais ampla mobilização, colocando em evidência a convergência das forças – direita, «social-democracia», liberais, «verdes» – que têm dirigido e...

O genocídio e as fontes

Dura há já mais de nove meses o genocídio que, aos olhos de todo o mundo, Israel está a cometer na Faixa de Gaza. Durante esse tempo, fomos sendo confrontados – a um ritmo quase diário – com a macabra contabilidade da chacina: 1000 mortos, 5000 mortos, 10 000 mortos, 20 000 mortos, 30 000 mortos… Em qualquer um dos...

Nem as crianças escapam

O direito à creche é um direito da criança. Este direito teve importantes avanços nos últimos anos, com o PCP a ter um papel determinante no processo que permitiu instituir a sua gratuitidade. Um percurso nada fácil que teve de enfrentar múltiplas resistências do PS que, admitindo a gratuitidade, sempre se opôs à criação...

É a guerra

A Bulgária quer manter a sua frota de MIG, o que as sanções tornam quase impossível e está a ser pressionada para a enviar para a Ucrânia, e substituí-la por uma frota de F-16 que já está encomendada. A Polónia, a Eslováquia, a Roménia já fizeram essa substituição. Centenas de outras notícias similares, referentes a este...