A coragem (e a ternura) da solidariedade serão mais fortes do que a barbárie

À semelhança do que tem feito, incessantemente, desde Outubro (e nos anos e décadas anteriores, reconheça-se), o movimento da paz e da solidariedade saiu uma vez mais à rua, no dia 4, para reafirmar o seu apoio à luta do povo palestiniano pelos seus direitos – à vida, à liberdade, ao seu próprio Estado independente, soberano e viável. Desta vez, teve uma companhia especial: a tripulação do navio Handala, da Flotilha da Liberdade, que se dirige para a Faixa de Gaza. A solidariedade é uma família.

Como se sentirão as crianças de Gaza? Sem comida, sem água, sem abrigo

O barco da Flotilha da Liberdade «Para as crianças de Gaza», que passou por Portugal, chama-se Handala, nome do menino de 10 anos que o traço de Naji al-Ali inventou há 55 anos, e que representa a metáfora do destino dos refugiados palestinianos e, hoje mais do que nunca, também o drama vivido pelas crianças palestinianas, não só na Faixa de Gaza, mas também na Margem Ocidental e em Jerusalém Oriental

Centenas de pessoas concentraram-se ao final da tarde da passada quinta-feira na Praça do Rossio para, uma vez mais, gritar a plenos pulmões que a Palestina vencerá!. E como pode não vencer um povo tão corajoso e com tantos e tão valiosos defensores, em todo o mundo e também em Portugal? Gente que não embarca no (certamente mais cómodo) discurso dominante do direito de Israel à «defesa» e que chama de genocídio ao que é genocídio, ocupação ao que é ocupação e apartheid ao que é apartheid. Gente que não confunde os Estados com os seus povos nem resistência com terrorismo. E que exige a paz na Palestina como o faz em todo o mundo: com justiça, soberania e direitos.

Naquela acção ficou também evidente como a solidariedade une e irmana pessoas de diferentes nacionalidades e culturas, até então desconhecidas: a tripulação do Handala, integrante da Flotilha da Liberdade (ver caixa), ali esteve, lado a lado com os que desde sempre ergueram a sua voz em Portugal em defesa da Palestina e do seu povo, dos seus inalienáveis direitos nacionais. De estranhos passaram num instante a companheiros. A solidariedade é mesmo a ternura dos povos.

Antes das intervenções, a música. Pedro Salvador interpretou célebres canções portuguesas – desde logo o Canta, camarada, canta, de José Afonso – e outras do seu grupo, Hill’s Union, uma homenagem ao cantor revolucionário norte-americano (de origem sueca) Joe Hill, executado por um crime que não cometera à ordem dos patrões do cobre. A palestiniana Rana Hamida, que integra a Flotilha, cantou o Bella Ciao em árabe e uma outra canção, belíssima, a que ninguém ficou indiferente.

Uma delegação da Flotilha da Liberdade esteve, dia 4, na Assembleia da República, reunida com representantes de cinco partidos políticos, entre os quais o PCP

Das cantigas aos discursos, passaram pelo palco os membros da Flotilha da Liberdade Fellipe Lopes e o palestiniano Youssuf Khalil, com o primeiro a explicar os objectivos da missão e o segundo a apelar aos presentes naquela tarde quente para tentarem imaginar como se sentirão as crianças de Gaza: sem água, sem comida, sem abrigo, sem gelados ou ar condicionado. Tudo isto, acrescentou, num território três vezes menor do que Hiroxima onde a quantidade de bombas lançadas nos últimos nove meses supera em seis vezes o poder destruidor da primeira bomba atómica. Imaginem…

Na manhã de 5 de Julho, crianças do espaço educativo da Graça d’ A Voz do Operário receberam uma delegação da Flotilha da Liberdade, a quem entregaram desenhos para serem enviados às crianças palestinianas

Também palestiniana, a residir há anos em Portugal, a professora e investigadora Dima Mohammed salientou que a solidariedade com a Palestina é uma luta contra a injustiça – «e todos sabemos que a injustiça em qualquer parte é uma ameaça à justiça em todo o lado».

Solidariedade contra a barbárie
Coube ao actor e encenador Fernando Jorge ler a intervenção das quatro organizações promotoras da concentração: o CPPC, a CGTP-IN, o MPPM e o Projecto Ruído – Associação Juvenil. Começou pelo trágico balanço: «Nove meses, 271 dias. Mais de 37 mil mortos, muitos deles mortos à fome, muitos deles mulheres e crianças. 87 mil feridos, mais de dois milhões de desalojados. (…) Aos bombardeamentos, aos ataques a hospitais e centros de saúde, a agências das Nações Unidas e organizações humanitárias, à destruição de casas, bairros inteiros, campos de refugiados, escolas, mesquitas e igrejas, património cultural, soma-se o uso de armas proibidas, a manutenção e intensificação do cerco à Faixa de Gaza, a proibição de entrada de ajuda humanitária, a privação de medicamentos, água e alimentos – usando a fome e a desidratação como armas de guerra.»

Representantes do CPPC, da CGTP-IN, do MPPM e do Projecto Ruído subiram a bordo do Handala para saudar a Flotilha da Liberdade

Daí não ser de estranhar que, como também disse Fernando Jorge, aumente também a «revolta de todos os que diariamente acompanham o sofrimento do povo palestiniano, num massacre perpetrado por Israel». Referiu-se também aos perigos de uma guerra generalizada no Médio Oriente, com a ameaça de Israel alastrar os seus ataques ao Líbano, e ao apoio cúmplice dos EUA com o genocídio – tal como com a ocupação que desde há décadas é imposta aos palestinianos.

O PCP esteve presente na acção de solidariedade com uma delegação composta pelo Secretário-Geral, Paulo Raimundo, e por Ângelo Alves, da Comissão Política, tendo destacado o compromisso inabalável dos comunistas com a luta do povo palestiniano.

As organizações lembraram a entrega ao primeiro-ministro de uma carta-aberta exigindo o reconhecimento por Portugal do Estado da Palestina, como já fizeram até ao momento 145 países membros da ONU – cujas resoluções, aliás, dão razão às pretensões dos palestinianos. E garantiram que continuarão a sair à rua, elevando bem alto a sua voz por um cessar-fogo imediato e permanente; pelo fim da cooperação militar entre Portugal e Israel; para que Portugal se coloque ao lado da África do Sul e de todos os Estados que, no Tribunal Internacional de Justiça, exigem a responsabilização de Israel pelos crimes hediondos que pratica dia após dia contra a população palestiniana; por uma política que, em obediência aos preceitos constitucionais, defenda a liberdade e a autodeterminação do povo palestiniano, contra a ocupação, a colonização, o deslocamento forçado, o bloqueio, a violência e qualquer forma de agressão.

 

«Em algum momento, chegaremos a Gaza»

Fellipe Lopes é coordenador da campanha «Para as Crianças de Gaza», que a Flotilha da Liberdade trouxe a Lisboa, a bordo do Handala. Nessa qualidade falou ao Avante!, momentos antes da acção de solidariedade. Nascido no Brasil, filho de portugueses, emigrou ainda criança para a Irlanda, onde mais tarde aderiu à Flotilha da Liberdade.

O que é a Flotilha da Liberdade?
Em 2008 foi enviado para Gaza o Women’s Boat (o Barco das Mulheres), que foi um sucesso, e em 2010 o navio Marmara foi atacado por forças israelitas, que mataram mais de 10 participantes. É a partir daí que a Flotilha surge como coligação, que hoje envolve 14 campanhas, noutros tantos países [da América do Norte, Europa, África, Ásia e Oceânia], e tem apoios em muitos outros.

Qual a acção da Flotilha?
Temos actualmente duas missões. Uma primeira de emergência humanitária, para enviar para a Faixa de Gaza mais de cinco mil toneladas de comida, medicamentos e equipamento hospitalar. Para isso, temos três barcos na Turquia, um cargueiro e outros dois para participantes. E temos outra missão, chamada «para as crianças de Gaza», com o nosso barco Handala, que está aqui em Lisboa e que vai continuar, até chegarmos a Gaza, o que acontecerá em algum momento.

O propósito da primeira missão é evidente… Quanto à segunda, qual o objectivo?
O objectivo principal é questionar e denunciar a cumplicidade dos governos dos países europeus com o genocídio que está em curso na Faixa de Gaza. Temos connosco elementos de mais de 10 nacionalidades, e isto é uma resposta à falta de acção dos governos. Veja-se o exemplo de Portugal. Ao longo dos anos, as autoridades portuguesas sempre se afirmaram aliadas dos palestinianos, mas o Governo recusa-se a reconhecer o Estado da Palestina e o senhor Paulo Rangel [ministro dos Negócios Estrangeiros] tem o descaramento de dizer publicamente que não vai usar a palavra «genocídio»...

Disse que é injusto usar-se essa palavra para descrever o que está a acontecer...
E isso é ser-se cúmplice do genocídio que, sim, está em curso. Ao não tomar qualquer posição contra Israel, Portugal dá luz verde ao que está a acontecer. Do mesmo modo que não reconhecer o Estado da Palestina é um sinal vermelho dado aos palestinianos.

A nossa presença aqui serve para contactarmos com todos os que, em Portugal, demonstram solidariedade com a Palestina – não só aqui em Lisboa, como no Porto e noutras cidades. Mas também para sensibilizar os partidos políticos, procurando apoios para a nossa Flotilha, que no passado foi atacada e companheiros nossos foram torturados e assassinados. E quando sairmos de Malta a caminho de Gaza, isso pode acontecer de novo.

Quantos mais palestinianos terão de ser assassinados para que Portugal assuma que há um genocídio e reconheça o Estado da Palestina?

Acreditam que chegarão mesmo a Gaza, dada a situação?
Temos expectativas de que sim, que conseguiremos chegar a Gaza. Temos treinado para isso, entrámos em contacto com diversas organizações, não só na Europa, mas também na Faixa de Gaza, e com as Nações Unidas. Muito recentemente, a relatora especial da ONU para os território palestinianos ocupados, Francesca Albanese, escreveu um extenso artigo exigindo uma passagem segura para a Flotilha. A Flotilha é legal e vai conseguir.

 



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