Tapar o sol com a peneira
Em Fevereiro, também num artigo do Avante!, fazíamos o levantamento das razões que levavam os agricultores, um pouco por todos os Estados-Membros da UE, a saírem às ruas em protesto. Advertimos que as motivações eram diversas, continham cambiantes, de país para país, dependendo do grau de desenvolvimento das forças produtivas, do tipo de produção e da dimensão das explorações.
No entanto, asseverámos naquela altura e agora reafirmamos que existem denominadores comuns entre as muitas reivindicações dos agricultores. São elas uma «PAC (que) não serve a maioria dos agricultores, especialmente os pequenos e médios agricultores e a agricultura familiar», bem como «as políticas do “livre comércio” e as opções e forças políticas que promoveram ambas».
Volvidos vários meses após o início dos protestos, eis que a Comissão Europeia, em cumprimento das orientações emanadas na reunião do Conselho Europeu de Março, apresenta as suas propostas.
No essencial, esta proposta aumenta a flexibilidade a ser atribuída aos Estados-Membros na implementação da PAC, nomeadamente no que diz respeito às «boas condições agrícolas e ambientais», incrementa o número de vezes que os Planos Estratégicos de cada Estado podem ser revistos e alterados, aponta à diminuição dos encargos administrativos e burocráticos para os pequenos agricultores e para os Estados, nomeadamente ao nível da aplicação de sanções.
Surpreenda-se, no entanto, quem achava que esta proposta, já com o aval do Conselho da União Europeia, iria atacar as causas dos problemas profundos que afectam os agricultores, a lógica liberalizadora da PAC, ou a política da UE de promoção de acordos de «livre comércio» que oferecem a agricultura como moeda de troca para a abertura de novos mercados à indústria dos países do centro. Pois não, não ataca! Não ataca, também, os elevados custos de produção, não promove o necessário aumento dos rendimentos dos agricultores, nem o reforço da sua posição na cadeia de abastecimento. Aliás, sobre esta última matéria o que a Comissão apresenta, e que foi aplaudido pelo Conselho, é a criação de um chamado observatório para os custos de produção e uma promessa de revisão da Directiva sobre as práticas comerciais desleais.
Usando o subterfúgio da atribuição de maior flexibilidade, a Comissão Europeia aproveita ainda para propor a possibilidade de adiamento ou a supressão da condicionalidade social, que tem como objectivo condicionar a atribuição de fundos a quem cumpra elevados padrões sociais e laborais e respeite os direitos dos trabalhadores.
Tapar o sol com a peneira, é este o objectivo destas propostas que não servem os interesses da maioria dos agricultores portugueses, muito especialmente da pequena e média agricultura e da agricultura familiar.