Direitos das mulheres, entre a propaganda e a realidade

Fernanda Mateus (Membro da Comissão Política)

O Go­verno não se tem pou­pado a es­forços para cons­truir umai­magem vir­tual do País que em nada cor­res­ponde às con­sequên­cias da sua po­lí­tica no agra­va­mento das di­fi­cul­dades e in­cer­tezas que marcam o dia a dia de quem vive do seu tra­balho ou da sua pensão.

No País real, o que há é de­gra­dação das con­di­ções de vida das mu­lheres, sobre-ex­plo­ração das tra­ba­lha­doras, a per­pe­tu­ação dos iti­ne­rá­rios de dis­cri­mi­nação, de­si­gual­dade e vi­o­lên­cias que sobre elas in­cidem.

Re­a­li­dades que estão en­voltas num manto de in­vi­si­bi­li­dade, mas sempre com mais pro­messas, agora com as “novas me­didas” dos três Planos in­cluídos na Es­tra­tégia Na­ci­onal para a Igual­dade e Não Dis­cri­mi­nação – Por­tugal + Igual, apro­vados (29 Junho) pelo Con­selho de Mi­nis­tros.

As me­didas ins­critas nos Planos de pro­moção da igual­dade entre mu­lheres e ho­mens e da pre­venção e com­bate à vi­o­lência contra as mu­lheres e à vi­o­lência do­més­tica, não per­mitem cum­prir ne­nhum dos ob­jec­tivos enun­ci­ados, porque mantêm in­to­cá­veis as op­ções po­lí­ticas de fundo do Go­verno que, em si mesmo, per­pe­tuam e re­novam suas causas es­tru­tu­rais.

Es­tamos pe­rante um ins­tru­mento fa­ci­li­tador do pros­se­gui­mento das op­ções eco­nó­micas, so­ciais e la­bo­rais da po­lí­tica de di­reita le­vada a cabo pela mai­oria ab­so­luta do PS, com o apoio, no que é es­tru­tural, do PSD, CDS, IL e Chega.

Não se con­cre­tiza a igual­dade entre mu­lheres e ho­mens numa so­ci­e­dade cada vez mais in­justa e de­si­gual para todos; em que ho­mens e mu­lheres estão su­jeitos a sa­lá­rios e pen­sões que não re­põem o poder de compra per­dido; cada vez mais pe­na­li­zados pela de­si­gual re­par­tição do ren­di­mento na­ci­onal entre o ca­pital e o tra­balho; em que nem uns, nem ou­tros, têm tempo para a vida fa­mi­liar, do­més­tica e pes­soal.

A va­lo­ri­zação que é feita do au­mento do nú­mero de mu­lheres nos Con­se­lhos de Ad­mi­nis­tração das mai­ores em­presas do PSI20, que já ul­tra­passa a média da União Eu­ro­peia, é acom­pa­nhada pela ocul­tação do pros­se­gui­mento da sobre-ex­plo­ração das tra­ba­lha­doras re­sul­tante da opção do go­verno PS por uma le­gis­lação la­boral fa­vo­rável ao ca­pital, com o pros­se­gui­mento da pre­ca­ri­e­dade em Por­tugal, uma das mais ele­vadas da União Eu­ro­peia, da des­re­gu­lação de ho­rá­rios – o nosso país é o quarto onde se tra­balha mais horas por se­mana (41 horas em média) – sendo cres­cente o nú­mero de mu­lheres que tra­balha por turnos e turnos noc­turnos, ao sá­bado e ao do­mingo.

Pros­se­guem com a des­va­lo­ri­zação da com­po­nente bi­o­ló­gica da ma­ter­ni­dade e dos seus di­reitos es­pe­cí­ficos (gra­videz, parto, pós-parto), do di­reito de todas as cri­anças à ama­men­tação, como re­co­menda a OMS, e o alar­ga­mento da li­cença do pai à custa da li­cença da mãe (em nome da par­tilha da res­pon­sa­bi­li­dade na ma­ter­ni­dade e pa­ter­ni­dade), com o ar­gu­mento que as mu­lheres re­gressam mais cedo ao tra­balho. Ao que acresce as con­sequên­cias do rei­te­rado de­sin­ves­ti­mento no SNS e o con­se­quente re­tro­cesso no acom­pa­nha­mento da gra­videz, do parto e pós-parto.

Re­tro­cessos que se am­pliam com a de­cisão do Go­verno de alar­ga­mento dos ho­rá­rios das cre­ches, pondo em causa o seu di­reito a acom­pa­nhar os fi­lhos, em vez de pôr travão aos ho­rá­rios con­tí­nuos, por turnos e no­turnos, e de dar pri­o­ri­dade à im­ple­men­tação da gra­tui­ti­dade das cre­ches para todas as cri­anças e alar­ga­mento do nú­mero de vagas com a cri­ação de uma Rede Pú­blica.

A pro­pa­ganda não ilude que não há nem igual­dade entre mu­lheres e ho­mens, nem com­bate e pre­venção às dis­cri­mi­na­ções, aos pre­con­ceitos e es­te­reó­tipos com uma po­lí­tica que agrava a ex­plo­ração, acentua a con­cen­tração da ri­queza, as de­si­gual­dades e in­jus­tiças, nega di­reitos, ataca ser­viços pú­blicos, au­to­riza a es­pe­cu­lação e os lu­cros dos grupos eco­nó­micos e das mul­ti­na­ci­o­nais, e fra­gi­liza o apa­relho pro­du­tivo na­ci­onal. E não deixa de ser sin­to­má­tico que as me­didas de pre­venção da vi­o­lência sobre as mu­lheres ex­cluam, mais uma vez, o re­co­nhe­ci­mento da ex­plo­ração na pros­ti­tuição como uma grave forma de vi­o­lência sobre as mu­lheres, nem sejam apre­sen­tadas quais­quer pro­postas vi­sando a sua pre­venção e a cri­ação de pro­gramas de saída para as mu­lheres pros­ti­tuídas que assim o de­sejem.

 

Romper com as falsas po­lí­ticas de igual­dade

O ins­tru­mento mais po­de­roso e de­ter­mi­nante para a al­te­ração das men­ta­li­dades, de pre­venção e com­bate aos es­te­reó­tipos, pela er­ra­di­cação das dis­cri­mi­na­ções, de­si­gual­dades e vi­o­lên­cias que con­tinua a pesar na vida das mu­lheres é a am­pli­ação da luta or­ga­ni­zada das mu­lheres pelo cum­pri­mento dos seus di­reitos, pela igual­dade no tra­balho e na vida, pela con­cre­ti­zação de uma po­lí­tica al­ter­na­tiva pa­trió­tica e de es­querda.

Um ca­minho que im­plica o re­forço do PCP, por­tador de uma po­lí­tica de igual­dade que está en­qua­drada na sua po­lí­tica al­ter­na­tiva, pa­trió­tica e de es­querda que ar­ti­cula as so­lu­ções glo­bais para res­ponder aos pro­blemas es­tru­tu­rantes do País, com a adopção de ins­tru­mentos es­pe­cí­ficos que fa­ci­litem a de­tecção das dis­cri­mi­na­ções, de­si­gual­dades e vi­o­lên­cias sobre as mu­lheres e o cum­pri­mento dos seus di­reitos.

 





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