Resistir à privatização porque a TAP faz falta ao País

«Dossier TAP – Resistindo às privatizações», é a mais recente obra dada à estampa pela Editorial «Avante!», apresentada ao final da tarde de anteontem, numa sessão com a participação do Secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo (ver página 15).

O grosso do prejuízo da TAP foi depois da privatização

Lusa

O livro é de pertinente oportunidade, não apenas pelo «impacto nacional» que tiveram os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) «à gestão política da TAP», mas, sobretudo, porque neles «ficaram comprovadas», pelos «factos revelados», algumas «teses mil vezes afirmadas pelo PCP» e «sempre ignoradas ou desmentidas pelos sucessivos Governos», como se assinala na nota explicativa da obra.

Mas mais importante, ainda: «apesar disso, o impacto mediático deste processo foi desviado para lateralidades, para um terreno onde a direita parlamentar e o PS se podem digladiar sem questionar o que os une: a submissão aos grandes grupos económicos e à sua ideologia, hoje chamada neoliberal».

Às razões para dar à estampa um autêntico manual de esclarecimento, acresce o facto de «o Governo ter já anunciado a intenção de avançar para nova privatização (apoiada por PSD, IL, CDS e CH)», o que «impõe um combate nacional, muito exigente» perante «instrumentos de dominação ideológica» que «há muito preparam o terreno».

Deste modo, no «Dossier TAP – Resistindo às privatizações» sistematiza-se «a informação disponível apontando as conclusões que a CPI deveria ter tirado», realça-se, também na introdução, antes de se detalhar, sem rebuço, outro dos propósitos combativos do texto: é que «a rejeição da privatização implica, em, paralelo a exigência de gestão pública ao serviço do povo e do País». E, insiste-se, «o funcionamento da CPI deixou patente o quanto a gestão pública da TAP se comportou como o pior da gestão privada — movida apenas pelos resultados financeiros, opaca, com salários obscenos para os administradores e a máxima exploração para os trabalhadores».

Ao invés, «numa gestão pública que se guie pelos valores de Abril, o Estado não se comporta como mais um accionista privado», afirma-se, antes de se manifestar claramente que «impedir uma nova privatização da TAP é possível, como o foi noutros momentos da vida da empresa!».

Para ler e consultar

Com cerca de 150 páginas, o «Dossier TAP – Resistindo às privatizações» encontra-se dividido em duas partes. Numa primeira, percorrem-se a história e os vários processos pelos quais passou a companhia aérea, desde a sua fundação, oficialmente em 1945, até aos dias de hoje. Numa segunda parte, destacam-se temas concretos, não faltando subcapítulos sobre mitos fabricados acerca da TAP e o futuro necessário, que rompa com a gestão lesa-pátria dos últimos 30 anos (ver caixa).

Esta divisão permite dois processos de apreensão dos factos: ler toda a obra e anotar elementos relevantes para a batalha das ideias sobre como chegou a TAP a este ponto, quem são os responsáveis e o que não podemos permitir que continue ou se repita; regressar ao texto, dividido em duas partes e vários subcapítulos, dirigindo-se directamente ao período ou tema que necessita de aclaração.

Em todo o caso, o «Dossier TAP – Resistindo às privatizações» é uma obra de grande fôlego pela prolongada utilidade para todos os que não se demitem da luta por um País de justiça e progresso económico e social, do qual a TAP é parte inalienável.

Eppur si muove

Ao abrir e percorrer a primeira parte do livro, o leitor pode ficar a saber que só a Revolução Portuguesa pôs fim ao monopólio aéreo e dos accionistas privados na transportadora (o Estado passa a deter 65 por cento do capital social com a nacionalização da banca e 100% com a nacionalização da TAP), cuja rentabilidade económica o fascismo manteve «totalmente dependente dos apoios e avales do Estado». Foi Abril,designadamente os governos provisórios, que criaram as bases de «uma grande empresa nacional».

Paradoxalmente, o subfinanciamento crónico da novel empresa pública começa na ponte aérea com as ex-colónias que vincou o seu carácter estratégico, já que «a TAP nunca foi ressarcida desse esforço. Como nunca será dos custos da sua utilização pela tutela governamental, nos anos 70-80, para a obtenção de empréstimos externos para o País», nota-se no livro, antes de se frisar que é no primeiro Governo Constitucional, do PS com Mário Soares como primeiro-ministro, que «o ataque começa, pela retirada dos meios necessários para executar as tarefas que lhe estavam atribuídas».

A ofensiva prossegue, depois, com a adesão de Portugal à então CEE. «Foi o grande acelerador do processo de reconstrução do capitalismo monopolista em Portugal», acusa-se. Particularmente no que diz respeito ao sector aéreo, avança e consolida-se a sua liberalização com três verdadeiros objectivos: «promover a concentração e centralização do sector em torno das companhias de bandeira dos maiores Estados da UE; destruir um instrumento de soberania dos restantes Estados nacionais; precarizar as relações laborais como mecanismo para pressionar o preço da força de trabalho em todo o sector, conseguindo mais trabalho por menos remuneração, aumentando a exploração».

Um modelo « pensado contra a TAP e outras companhias similares», pelo que «a capacidade de resistência da TAP e dos seus trabalhadores a esta ofensiva tem sido extraordinária».

Assalto com punhos de renda

Da mesma maneira que não é possível compreender a situação da TAP desligando-a da reconstituição do capitalismo monopolista em Portugal, de que a entrada da UE pelo País adentro é uma componente central, não é possível ignorar os prejuízos deliberadamente provocados desde o dobrar do século passado até ao actual processo de privatização em curso. Por isso, o «Dossier» procede ao escrutínio exaustivo por períodos e grandes momentos. A começar pela privatização à Swissair, um processo manipulado pelo então governo PS que, como o PCP apontou com clarividência em posterior comissão de inquérito (CPI 2000), não só não era condição para o estabelecimento de parcerias estratégicas capazes de resgatar a companhia, como, pelo contrário, criou, entre 1998 e 2002, um buraco que «ultrapassou os 200 milhões de euros, que pesaram nas contas da TAP até 2022», explica-se a este respeito.

Segue-se, na obra, o desenrolar de tragédias anunciadas (porque o Partido previu e preveniu), fruto da obsessão de PS e PSD em alienarem a TAP. Um propósito que apostou na descaracterização e desmantelamento, liquidação e alienação de segmentos lucrativos (assistência em escala), na aquisição de empresas em favor dos «donos disto tudo» (Portugália), em negócios como os efectuados no Brasil, que deixaram um «prejuízo de mais de mil milhões de euros até 2023».

Depois... depois vêm «os PEC, o Pacto de Agressão e mais uma ofensiva privatizadora contra a TAP», como se sub-titula no «Dossier»; inicia-se o «namoro» da TAP por David Neelman, «um especulador, especializado em ganhar muito dinheiro sem arriscar o seu próprio património», e a venda da companhia aérea àquele por parte do então Governo PSD/CDS, não só derrotado socialmente e nas urnas, mas chumbado pela maioria dos deputados, no parlamento, a 10 de Novembro de 2015. «Sem qualquer legitimidade», o executivo Passos/Portas «concluiu a privatização a 12 de Novembro 2015, dia em que são assinados, enviados e recebidos um conjunto avassalador de contratos, pareceres e outros documentos e realizadas múltiplas reuniões», que o livro precisa com exactidão.

Sucedem-lhes o «silêncio de chumbo» do governo PS quanto à «existência e a origem dos Fundos Airbus», que permitiram a Neelman mais um «golpe de génio»; a «recompra da TAP sem nacionalizar», uma opção injustificada do executivo liderado por António Costa, tanto mais que, «na mesma altura, em 2016, foram revertidas as privatizações (…) que o PCP também reivindicava» sem «qualquer litigância significativa» e a vantagem de poupar «ao Estado centenas de milhões de euros em pagamentos abusivos».

O «Dossier» faz, depois, um breve balanço da gestão privada entre 2016 e 2019, caracterizada «por um gigantesco crescimento na operação — que hoje sabemos, era necessário para justificar a compra de 53 aviões, que por sua vez era requisito para que David Neeleman recebesse o dinheiro usado na compra e capitalização da TAP (...); por várias tentativas de capitalização com o património da TAP; por um acumular de «sinergias» entre a TAP e a Azul sempre com vantagem para a última; e por um conjunto de práticas internas muito discutíveis, de abuso dos dinheiros da TAP em benefício de administradores e accionistas».

Tão evidente, que dói

Os anos da pandemia, que determinaram a falência de todas as companhias áreas no mundo, e a discussão política em torno do que fazer à TAP, clarificam posições de classe – entre os que, como o PCP, defendem o salvamento da transportadora, transformando apoios públicos em controlo efectivo da empresa e a sua colocação ao serviço do povo e do País, e os acólitos dos interesses privados. Estes estão resguardados por directivas de «reestruturação» da UE (à margem dos trabalhadores), e para quem as injecções de capital são tão somente dinheiro que fica na empresa para beneficiar o próximo accionista.

A «gestão pública com as regras e as más práticas do privado» e algumas «teses centrais que foi possível apurar com a CPI» que agora terminou, aí estão a provar que o PCP sempre teve razão ao considerar, entre outras matérias desenvolvidas por Bruno Dias na apresentação do «Dossier» (ver página 15), que a solução para o regabofe de prémios e indemnizações é «acabar com a excepção e não a privatização», «aplicar o regime das empresas públicas», em vez de «legalizar essas práticas com a privatização»; é «gerir as empresas públicas como tal» e acabar com a falta de transparência, cujo objectivo é justamente limpar terreno e responsabilidades para permitir a privatização da TAP, como aquela que o Governo do PS em funções já anunciou.

Dos mitos ao futuro

Na segunda parte do «Dossier TAP – Resistindo às privatizações», ganham relevo o tratamento de questões temáticas que vão da importância da TAP para a economia e no quadro da soberania e independência nacionais, à privatização, desinvestimento e liberalização de empresas, segmentos de negócio e infra-estruturas. Porém, os dois últimos subcapítulos são dedicados à destruição da mitologia sobre a TAP e ao futuro.

Ali se prova que «não só a TAP SA deu lucro em 7 dos últimos 11 anos, como o grosso do prejuízo foi depois da privatização»; que, entre 1993 e a pandemia a TAP «não foi objecto de qualquer capitalização ou apoio por parte do Estado», que «os únicos apoios públicos directos que recebeu foram os relativos aos preços nas deslocações entre o continente e as Ilhas» e, ainda assim, menores do que os atribuídos às companhias privadas; que não há low cost capaz de substituir uma empresa pública como a TAP e que tal fica mais caro ao erário público, como o provam os apoios dados à Ryanair nos últimos cinco anos comparando-os com os da TAP; que a empresa tem um valor que vai além da avaliação que os privatizadores pretendem fazer crer; que a «falta de flexibilidade» atribuída às empresas públicas, como a TAP, decorre de amarras impostas pela UE para as tornar quase impossíveis de gerir naquele quadro e que aquelas só se aplicam quando se trata dos trabalhadores; que, como demonstra a história recente, o problema não é se a TAP sobrevive se não for privatizada, mas quanto mais vai sobreviver a cada privatização; que, como o PCP sempre tem defendido, as empresas públicas valem pela «riqueza que criam, os serviços que prestam, o carácter estratégico da sua intervenção económica, a quantidade e qualidade do emprego que geram», perspectiva oposta à do capital e seus lacaios, para quem a única dimensão é «que lucros geram? Que capital permite multiplicar ou concentrar?».

Relativamente ao devir, importa reter que «é urgente inverter esta política fixada na privatização da TAP, considerar a empresa como o activo estratégico que é, e apoiá-la de todas as formas necessárias»; que, como o Partido insiste, «a sobrevivência da TAP está ligada ao seu carácter nacional e que só o seu carácter público garante o carácter nacional»; «a TAP deve ter uma gestão com objectivos racionais, ligados à imensa riqueza que a empresa aporta ao país e sempre aportou», sendo, por isso, de «retirar consequências» do sucedido e «mudar as práticas e as políticas».




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