A perseguição pública da política
Só uma mentalidade doentiamente persecutória dos partidos, e consequentemente antidemocrática, pode conseguir vislumbrar qualquer ilicitude no facto de serem os partidos, e nenhuma outra entidade, a gerir de acordo com a lei a actividade do pessoal de apoio ao respectivo grupo parlamentar.
A investigação criminal tem de ser feita nos termos da lei, com respeito pelos direitos das pessoas e das entidades envolvidas
Contudo, como uma aparatosa operação policial foi desencadeada na passada semana com base, alegadamente, nessa ideia, importa sublinhar algumas evidências.
1. As pessoas que integram o pessoal de apoio dos grupos parlamentares não são funcionários da Assembleia da República (AR). Estes são recrutados por concurso público, têm um dever de isenção relativamente aos partidos e aos grupos parlamentares e têm o estatuto de funcionários parlamentares. Asseguram os serviços de apoio da AR e relacionam-se com os grupos parlamentares, mas não se confundem com eles. O seu superior hierárquico é o Secretário-Geral da AR.
2. Os grupos parlamentares não são órgãos da AR. São órgãos dos partidos. Não têm personalidade jurídica e nem têm NIF que não seja o do partido. São os partidos que requerem a constituição dos respectivos grupos parlamentares e na base da subvenção a que têm direito, que varia em função da sua representatividade, definem o seu próprio quadro de pessoal, que é de livre nomeação, e as condições de trabalho das pessoas que o integram. Assim, a gestão do tempo, modo e local de trabalho dos elementos do gabinete de cada grupo parlamentar só pode competir ao próprio partido e a mais ninguém. Alguns funcionarão predominantemente em instalações da Assembleia da República, outros poderão não o fazer por razões de espaço ou por opção própria.
3. É uma evidência que na vida política não é possível distinguir o trabalho parlamentar da actividade geral dos partidos. Não há nenhuma zona cinzenta. A actividade do grupo parlamentar não é dissociável da actividade partidária. Tanto os deputados como o pessoal dos grupos parlamentares são quadros do partido.
4. Também a questão do financiamento é muito clara. Na parte respeitante aos grupos parlamentares, a lei de financiamento dos partidos refere no seu artigo 5.º, n.º 4, que «a cada grupo parlamentar (…) é atribuída, anualmente, uma subvenção para encargos de assessoria aos deputados, para a actividade política e partidária em que participem e para outras despesas de funcionamento». Sublinhe-se que a lei refere expressamente «actividade política e partidária».
Sucede que com a invocação pública deste suposto ilícito, a sede nacional de um partido foi devassada por buscas ao longo de 19 horas, tendo sido apreendidos documentos que, segundo o próprio, transcendem o objecto constante do mandado judicial e foram feitas buscas domiciliárias em condições de flagrante violação do segredo de Justiça. Se as diligências efectuadas tiveram como base as questões que foram publicitadas, não só não as podemos considerar normais, como, a menos que se demonstre o contrário, foram claramente desproporcionadas e gravemente lesivas da liberdade de acção política.
Isto é grave precisamente quando um dos maiores perigos que a democracia enfrenta nos dias que correm é a insinuação da corrupção generalizada dos titulares de cargos políticos e a apresentação da política como uma actividade criminosa aos olhos dos cidadãos.
O poder judicial é e deve ser independente. O Ministério Público é e deve ser autónomo. A autonomia do Ministério Público e o princípio da legalidade no exercício da acção penal são pilares essenciais do regime democrático. Contudo, a investigação criminal tem de ser feita nos termos da lei, com respeito pelos direitos das pessoas e das entidades envolvidas e nunca pode consistir em actuações arbitrárias. Em democracia ninguém pode estar acima da lei.
Perante a existência de indícios da prática de quaisquer crimes, as autoridades judiciárias devem actuar sem outras limitações que não as que decorrem da Constituição e da lei. Estas, porém, devem ser inteiramente respeitadas.
Não está em causa a idoneidade da generalidade dos magistrados e dos órgãos de polícia criminal e a sua fidelidade à legalidade democrática, à democracia e às liberdades, mas por isso mesmo, devem ser devidamente escrutinadas quaisquer actuações que suscitem dúvidas quanto ao respeito por esses valores. Questionar a actuação das autoridades judiciárias quando elas se afiguram desproporcionadas não é um ataque à Justiça. Bem pelo contrário. É uma defesa do papel essencial que a Justiça desempenha num Estado de Direito Democrático.
PCP responde a RTP:
«o grupo parlamentar não é separável da acção do Partido»
O PCP respondeu, por carta, às questões suscitadas pela RTP quanto à questão dos funcionários dos grupos parlamentares. A lei, garante, é «clara e não oferece dúvidas»: a natureza das funções, do tipo de trabalho e da sua duração «é da responsabilidade de cada grupo parlamentar, traduzindo as suas necessidades, os seus objectivos, a sua forma de organização, os seus critérios e os seus objectivos, não podendo ultrapassar a verba que lhe está destinada».
No caso do PCP, esclarece, para além de chefe de gabinete, adjuntos, assessores e secretários, é necessário «recorrer a apoio técnico e político de consultores no plano temático, sectorial e regional. São quadros que trabalham no Grupo Parlamentar. Ao mesmo tempo são quadros, como todos os outros militantes do Partido, que não deixam de ter a sua militância». O número não é fixo, a tempo inteiro ou a tempo parcial, «vai variando no tempo em função das necessidades, sendo neste momento 20».
Quanto às instalações disponibilizadas na AR «são insuficientes», sendo necessário o uso de espaços do Partido, nem todos na sede nacional. É; pois, uma realidade «que vai variando, não sendo sempre os mesmos, nomeadamente tendo em conta o conteúdo dos trabalhos parlamentares e há quadros de apoio cuja tarefa não se pode fixar num local».
O grupo parlamentar do PCP não é separável da acção geral do Partido, pelo que não é possível «contabilizar rigorosamente em termos de custos o valor da contribuição geral do Partido, dos seus quadros e militantes para o trabalho do grupo parlamentar». Uma coisa é certa, esclarece: «não são as verbas atribuídas pela Assembleia da República ao grupo parlamentar do PCP que apoiam a actividade geral do Partido, são os resultados da actividade geral do Partido que contribuem para a acção do grupo parlamentar.»