A perseguição pública da política

António Filipe

Só uma men­ta­li­dade do­en­ti­a­mente per­se­cu­tória dos par­tidos, e con­se­quen­te­mente an­ti­de­mo­crá­tica, pode con­se­guir vis­lum­brar qual­quer ili­ci­tude no facto de serem os par­tidos, e ne­nhuma outra en­ti­dade, a gerir de acordo com a lei a ac­ti­vi­dade do pes­soal de apoio ao res­pec­tivo grupo par­la­mentar.

A in­ves­ti­gação cri­minal tem de ser feita nos termos da lei, com res­peito pelos di­reitos das pes­soas e das en­ti­dades en­vol­vidas

Con­tudo, como uma apa­ra­tosa ope­ração po­li­cial foi de­sen­ca­deada na pas­sada se­mana com base, ale­ga­da­mente, nessa ideia, im­porta su­bli­nhar al­gumas evi­dên­cias.

1. As pes­soas que in­te­gram o pes­soal de apoio dos grupos par­la­men­tares não são fun­ci­o­ná­rios da As­sem­bleia da Re­pú­blica (AR). Estes são re­cru­tados por con­curso pú­blico, têm um dever de isenção re­la­ti­va­mente aos par­tidos e aos grupos par­la­men­tares e têm o es­ta­tuto de fun­ci­o­ná­rios par­la­men­tares. As­se­guram os ser­viços de apoio da AR e re­la­ci­onam-se com os grupos par­la­men­tares, mas não se con­fundem com eles. O seu su­pe­rior hi­e­rár­quico é o Se­cre­tário-Geral da AR.

2. Os grupos par­la­men­tares não são ór­gãos da AR. São ór­gãos dos par­tidos. Não têm per­so­na­li­dade ju­rí­dica e nem têm NIF que não seja o do par­tido. São os par­tidos que re­querem a cons­ti­tuição dos res­pec­tivos grupos par­la­men­tares e na base da sub­venção a que têm di­reito, que varia em função da sua re­pre­sen­ta­ti­vi­dade, de­finem o seu pró­prio quadro de pes­soal, que é de livre no­me­ação, e as con­di­ções de tra­balho das pes­soas que o in­te­gram. Assim, a gestão do tempo, modo e local de tra­balho dos ele­mentos do ga­bi­nete de cada grupo par­la­mentar só pode com­petir ao pró­prio par­tido e a mais nin­guém. Al­guns fun­ci­o­narão pre­do­mi­nan­te­mente em ins­ta­la­ções da As­sem­bleia da Re­pú­blica, ou­tros po­derão não o fazer por ra­zões de es­paço ou por opção pró­pria.

3. É uma evi­dência que na vida po­lí­tica não é pos­sível dis­tin­guir o tra­balho par­la­mentar da ac­ti­vi­dade geral dos par­tidos. Não há ne­nhuma zona cin­zenta. A ac­ti­vi­dade do grupo par­la­mentar não é dis­so­ciável da ac­ti­vi­dade par­ti­dária. Tanto os de­pu­tados como o pes­soal dos grupos par­la­men­tares são qua­dros do par­tido.

4. Também a questão do fi­nan­ci­a­mento é muito clara. Na parte res­pei­tante aos grupos par­la­men­tares, a lei de fi­nan­ci­a­mento dos par­tidos re­fere no seu ar­tigo 5.º, n.º 4, que «a cada grupo par­la­mentar (…) é atri­buída, anu­al­mente, uma sub­venção para en­cargos de as­ses­soria aos de­pu­tados, para a ac­ti­vi­dade po­lí­tica e par­ti­dária em que par­ti­cipem e para ou­tras des­pesas de fun­ci­o­na­mento». Su­blinhe-se que a lei re­fere ex­pres­sa­mente «ac­ti­vi­dade po­lí­tica e par­ti­dária».

Su­cede que com a in­vo­cação pú­blica deste su­posto ilí­cito, a sede na­ci­onal de um par­tido foi de­vas­sada por buscas ao longo de 19 horas, tendo sido apre­en­didos do­cu­mentos que, se­gundo o pró­prio, trans­cendem o ob­jecto cons­tante do man­dado ju­di­cial e foram feitas buscas do­mi­ci­liá­rias em con­di­ções de fla­grante vi­o­lação do se­gredo de Jus­tiça. Se as di­li­gên­cias efec­tu­adas ti­veram como base as ques­tões que foram pu­bli­ci­tadas, não só não as po­demos con­si­derar nor­mais, como, a menos que se de­monstre o con­trário, foram cla­ra­mente des­pro­por­ci­o­nadas e gra­ve­mente le­sivas da li­ber­dade de acção po­lí­tica.

Isto é grave pre­ci­sa­mente quando um dos mai­ores pe­rigos que a de­mo­cracia en­frenta nos dias que correm é a in­si­nu­ação da cor­rupção ge­ne­ra­li­zada dos ti­tu­lares de cargos po­lí­ticos e a apre­sen­tação da po­lí­tica como uma ac­ti­vi­dade cri­mi­nosa aos olhos dos ci­da­dãos.

O poder ju­di­cial é e deve ser in­de­pen­dente. O Mi­nis­tério Pú­blico é e deve ser au­tó­nomo. A au­to­nomia do Mi­nis­tério Pú­blico e o prin­cípio da le­ga­li­dade no exer­cício da acção penal são pi­lares es­sen­ciais do re­gime de­mo­crá­tico. Con­tudo, a in­ves­ti­gação cri­minal tem de ser feita nos termos da lei, com res­peito pelos di­reitos das pes­soas e das en­ti­dades en­vol­vidas e nunca pode con­sistir em ac­tu­a­ções ar­bi­trá­rias. Em de­mo­cracia nin­guém pode estar acima da lei.

Pe­rante a exis­tência de in­dí­cios da prá­tica de quais­quer crimes, as au­to­ri­dades ju­di­ciá­rias devem ac­tuar sem ou­tras li­mi­ta­ções que não as que de­correm da Cons­ti­tuição e da lei. Estas, porém, devem ser in­tei­ra­mente res­pei­tadas.

Não está em causa a ido­nei­dade da ge­ne­ra­li­dade dos ma­gis­trados e dos ór­gãos de po­lícia cri­minal e a sua fi­de­li­dade à le­ga­li­dade de­mo­crá­tica, à de­mo­cracia e às li­ber­dades, mas por isso mesmo, devem ser de­vi­da­mente es­cru­ti­nadas quais­quer ac­tu­a­ções que sus­citem dú­vidas quanto ao res­peito por esses va­lores. Ques­ti­onar a ac­tu­ação das au­to­ri­dades ju­di­ciá­rias quando elas se afi­guram des­pro­por­ci­o­nadas não é um ataque à Jus­tiça. Bem pelo con­trário. É uma de­fesa do papel es­sen­cial que a Jus­tiça de­sem­penha num Es­tado de Di­reito De­mo­crá­tico.

 

PCP res­ponde a RTP:
«o grupo par­la­mentar não é se­pa­rável da acção do Par­tido»

O PCP res­pondeu, por carta, às ques­tões sus­ci­tadas pela RTP quanto à questão dos fun­ci­o­ná­rios dos grupos par­la­men­tares. A lei, ga­rante, é «clara e não ofe­rece dú­vidas»: a na­tu­reza das fun­ções, do tipo de tra­balho e da sua du­ração «é da res­pon­sa­bi­li­dade de cada grupo par­la­mentar, tra­du­zindo as suas ne­ces­si­dades, os seus ob­jec­tivos, a sua forma de or­ga­ni­zação, os seus cri­té­rios e os seus ob­jec­tivos, não po­dendo ul­tra­passar a verba que lhe está des­ti­nada».

No caso do PCP, es­cla­rece, para além de chefe de ga­bi­nete, ad­juntos, as­ses­sores e se­cre­tá­rios, é ne­ces­sário «re­correr a apoio téc­nico e po­lí­tico de con­sul­tores no plano te­má­tico, sec­to­rial e re­gi­onal. São qua­dros que tra­ba­lham no Grupo Par­la­mentar. Ao mesmo tempo são qua­dros, como todos os ou­tros mi­li­tantes do Par­tido, que não deixam de ter a sua mi­li­tância». O nú­mero não é fixo, a tempo in­teiro ou a tempo par­cial, «vai va­ri­ando no tempo em função das ne­ces­si­dades, sendo neste mo­mento 20».

Quanto às ins­ta­la­ções dis­po­ni­bi­li­zadas na AR «são in­su­fi­ci­entes», sendo ne­ces­sário o uso de es­paços do Par­tido, nem todos na sede na­ci­onal. É; pois, uma re­a­li­dade «que vai va­ri­ando, não sendo sempre os mesmos, no­me­a­da­mente tendo em conta o con­teúdo dos tra­ba­lhos par­la­men­tares e há qua­dros de apoio cuja ta­refa não se pode fixar num local».

O grupo par­la­mentar do PCP não é se­pa­rável da acção geral do Par­tido, pelo que não é pos­sível «con­ta­bi­lizar ri­go­ro­sa­mente em termos de custos o valor da con­tri­buição geral do Par­tido, dos seus qua­dros e mi­li­tantes para o tra­balho do grupo par­la­mentar». Uma coisa é certa, es­cla­rece: «não são as verbas atri­buídas pela As­sem­bleia da Re­pú­blica ao grupo par­la­mentar do PCP que apoiam a ac­ti­vi­dade geral do Par­tido, são os re­sul­tados da ac­ti­vi­dade geral do Par­tido que con­tri­buem para a acção do grupo par­la­mentar.»



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