Tem dias

Anabela Fino

O embaixador dos EUA em Pristina, Jeffrey Hovenier, e o secretário de Estado Antony Blinken condenaram, a semana passada, o «recurso à violência por parte de Pristina para forçar a entrada em três autarquias do Norte do Kosovo, cujos edifícios foram bloqueados pela minoria sérvia que não reconhece as autoridades locais» eleitas em Abril em eleições boicotadas pela comunidade sérvia. Só este mês, os confrontos provocaram a morte de 18 pessoas e dezenas de feridos.

Dito desta forma, até parece que os EUA, alegados paladinos da liberdade, da democracia e dos direitos humanos, estão preocupados com os sérvios do Kosovo. Pois sim...

Recuemos a meados da década de 1990, quando a CIA e o Bundes Nachrichten Dienst (BND/ agência de espionagem alemã) apoiaram o Exército de Libertação do Kosovo (UÇK, em albanês), conhecido pelas suas estreitas ligações a sindicatos do crime albaneses e europeus, e então liderado por Hashim Thaçi, um protegido de Madeleine Albright, envolvido no tráfico de drogas e na prostituição.

Os laços entre estes amigos estreitaram-se após o bombardeamento da Jugoslávia e a invasão do Kosovo pela NATO, em 1999. Na prática, o território, cuja secessão não é reconhecida pela Sérvia nem pela ONU, encontra-se desde então sob a jurisdição militar da NATO, ou seja, é um território sob domínio militar estrangeiro.

Hashim Thaçi, fundador do sindicato do crime Drenica-Group, com ligações às máfias albanesa, macedónia e italiana, e depois «presidente» do Kosovo, está actualmente a ser julgado em Haia por crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Já os EUA persistem na ocupação militar, que tem máxima expressão em Camp Bondsteel, a principal base militar norte-americana no Kosovo e a maior do mundo fora do território norte-americano. A base, que Joe Biden visitou em 2009 enquanto vice-presidente, ostenta o nome de um sargento condecorado com a Medalha de Honra do Exército dos EUA na Guerra do Vietname, como se houvesse qualquer honra nessa barbárie.

Localizada na fronteira com a Macedónia, a base ocupa um terreno arrasado para acolher 25 quilómetros de estradas e mais de 300 edifícios, está cercada por 14 quilómetros de barreiras de terra e cimento, 84 quilómetros de arame farpado e 11 torres de vigia, e abriga mais de meia centena de helicópteros. Alegadamente construída para «proteger os civis», a base serve objectivamente os interesses estratégicos dos EUA nos Balcãs, porta de entrada para a Eurásia, e possibilita o controlo sobre oleodutos e corredores energéticos vitais, negócio chorudo de multinacionais norte-americanas.

Quase 25 anos depois, o Kosovo continua ocupado. Donde se conclui que as ocupações têm dias: umas vezes são boas, outras nem por isso.



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