Brasil entre a esperança e a incerteza

Ao completar 100 dias de governo no passado dia 10 de Abril, o presidente do Brasil, Lula da Silva, anunciou que já cumpriu um terço das promessas feitas durante a campanha eleitoral, dando execução a 13 dos 36 compromissos.

São imensos os desafios que o novo governo brasileiro tem pela frente

No dia 1 de Janeiro de 2023, Lula da Silva tomou posse como Presidente da República Federativa do Brasil, após um período de quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, cuja acção se caracterizou por um dos períodos mais retrógrados da vida política brasileira: pelo grau de submissão ao grande capital, ao imperialismo e às forças mais reaccionárias e obscurantistas da sociedade; pelas sequelas deixadas pelas 700 mil mortes causadas pela pandemia de COVID-19; pela baixa previsão de crescimento económico, com uma taxa básica de juros situada nos 13,75%; pelos baixos salários e elevado custo de vida em contraponto aos fabulosos lucros dos grupos económicos (nomeadamente na área do agro-negócio e no sector financeiro); pela taxa de desemprego de quase 8%, o desinvestimento público, o ataque aos serviços públicos, a privatização de diversas empresas (entre as quais a Electrobrás, a maior empresa de electricidade do Brasil e o próprio início do processo de privatização e desmantelamento da Petrobrás, com a tentativa de privatizar o Pré-Sal); pela privação de direitos fundamentais, a limitação das liberdades democráticas e o agravamento das enormes desigualdades sociais.

 

Avanços económicos e sociais

Foi, assim, num quadro complexo e exigente, cheio de contradições e obstáculos, que Lula da Silva iniciou o seu governo, retomando programas sociais considerados «marcas» das suas gestões anteriores e que foram extintos ou paralisados por Jair Bolsonaro. São os casos, entre outros, do «Minha Casa, Minha Vida», programa de acesso à habitação, que já entregou 5000 casas por todo o país; o «Luz para Todos», que pretende levar energia elétrica a lugares sem acesso; e o «Mais Médicos para o Brasil», com o objetivo de expandir o número de médicos dos actuais 13 mil para 28 mil.

Outras iniciativas, como o «Bolsa Família», que fixa o valor de 600 reais por agregado, com mais 150 reais para cada filho menor de sete anos de idade, com as exigências (abandonadas por Bolsonaro) de vacinação e frequência escolar. Na área da Educação, foi aumentada a verba da «merenda escolar» para todas os graus e modalidades da educação básica.

Foi também neste quadro que foram tomadas medidas para o aumento do salário mínimo nacional, com a promessa de um aumento anual que o coloque acima da inflação, e anunciada a intenção de tirar o Brasil do mapa da fome, que afecta hoje 30 milhões de brasileiros. Impedir a privatização de importantes empresas e sectores, como são os casos do Banco do Brasil, Correios e Petrobrás e reverter a privatização da Electrobrás são objectivos proclamados pelo governo brasileiro.

 

Relações internacionais: reforço da cooperação e defesa da paz

É neste contexto que Lula da Silva procura projectar e desenvolver as relações internacionais do Brasil, em que se integra a visita à China, na semana passada, cujo significado merece atenção e destaque.

De facto, os acordos bilaterais firmados entre o Brasil e a China (o maior acordo bilateral na história das relações entre os dois países) – quinze ao todo, desde a cooperação espacial, em pesquisa e inovação, economia digital e combate à fome, intercâmbio de conteúdos de comunicação entre os dois países e facilitação do comércio – somam mais de nove mil milhões de euros. O objectivo é diversificar as relações económicas, libertando-se de dependências, como sublinhou Fernando Haddad, ministro das Finanças do Brasil, ao afirmar que a dependência do capital norte-americano tem prejudicado o país.

Mas para lá do seu significado no plano económico, a visita de Lula da Silva à China é ainda mais significativa no plano político ao reforçar os laços de cooperação (em diversos domínios) com a China, na perspectiva da construção de uma nova ordem mundial, assegurando mais representatividade às Nações Unidas.

De resto, nesta linha e carregadas de significado foram as declarações de Lula da Silva sobre a guerra na Ucrânia, o FMI e o Banco Mundial, a intenção manifestada de desenvolvimento de esforços para criar uma alternativa ao dólar nas trocas comerciais, reduzir as assimetrias entre os países, reforçar os BRICS (note-se que, desde 2020, em termos de paridade do poder de compra, o PIB dos BRICS – Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul – já supera o PIB do G7, composto por EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Canadá).

Na tomada de posse de Dilma Rousseff como presidente do banco dos BRICS – o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) –, Lula da Silva questionou, sob aplausos: «porque não podemos fazer o nosso comércio lastreado na nossa moeda? Quem é que decidiu que era o dólar? (…)» e acrescentou: «O Banco dos BRICS representa muito para quem sonha com um mundo novo, para quem tem consciência da necessidade de desenvolvimento e que, portanto, precisa de dinheiro para fazer os investimentos».

Mas a visita foi também importante pelo consenso conseguido entre o Brasil e a China sobre a guerra na Ucrânia e expresso na Declaração Conjunta sobre o Aprofundamento da Parceria Estratégica Global, que no seu ponto nove refere: «As partes afirmam que diálogo e negociação são a única saída viável para a crise na Ucrânia e que todos os esforços conducentes à solução pacífica da crise devem ser encorajados e apoiados. O Brasil recebeu positivamente a proposta chinesa que oferece reflexões conducentes à busca de uma saída pacífica para a crise. A China recebeu positivamente os esforços do Brasil em prol da paz. As partes apelaram a que mais países desempenhem papel construtivo para a promoção da solução política da crise na Ucrânia. As partes decidiram manter contactos sobre o assunto».

 

Desafios e resposta aos problemas

Numa complexa correlação de forças, nomeadamente no Congresso e no Senado, neste gigantesco país que federa 26 estados e um distrito federal, com uma população que ronda os 218 milhões de pessoas, com uma imensa extensão (mais de oito milhões de quilómetros quadrados), com enormes contrastes regionais e abismais desigualdades sociais, com uma economia concentrada nas mãos de grandes monopólios e latifundiários, são grandes os desafios que o Governo de Lula da Silva tem pela frente.

A complexidade dos desafios existentes prendem-se desde logo com o facto de Lula da Silva ter sido eleito na base de uma coligação de forças de muito ampla abrangência que vão desde o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e do Partido dos Trabalhadores (PT) a sectores da própria direita.

Mas há questões que serão sempre decisivas para determinar o sentido do desenvolvimento do Brasil. São os casos da melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo brasileiro, do aumento dos salários (nomeadamente do salário mínimo nacional) e das pensões, da definição de uma legislação laboral que acautele os interesses dos trabalhadores, da valorização dos serviços públicos, do controlo público sobre as alavancas fundamentais da economia, do avanço da Reforma Agrária, da defesa do regime democrático e da Constituição da República Federativa do Brasil e de uma política externa soberana e independente que contribua para a construção de uma ordem internacional de paz, soberania, cooperação e progresso social.

 

Perigos, incertezas e potencialidades

Se é certo que os perigos e incertezas são grandes, as potencialidades do desenvolvimento da luta em defesa da democracia e dos direitos dos trabalhadores e do povo brasileiro aí estão, como o demonstra a própria vitória de Lula da Silva nas últimas eleições, a derrota do golpe que culminou no 8 de Janeiro, as medidas já tomadas pelo novo governo e o esforço do Brasil para desenvolver novas relações internacionais, como acima se refere.

No entanto, agora como sempre, a luta dos trabalhadores e do povo brasileiro, com as suas organizações de classe, a acção insubstituível do PCdoB, do PT e de outras forças progressistas, serão factores fundamentais para a determinação do sentido dos acontecimentos. Não deixando de contar com a solidariedade dos trabalhadores e do povo português, com a solidariedade do Partido Comunista Português.

 



Mais artigos de: Internacional

Opção socialista de Cuba proclamada há 62 anos

Cuba assinalou mais um aniversário da proclamação do carácter socialista da sua revolução e da vitória do povo cubano contra a agressão dos EUA, em 1961, iniciada com bombardeamentos aéreos e o desembarque de mercenários em Playa Girón.

Comunistas sudaneses pedem cessar-fogo

Prosseguem no Sudão os violentos combates iniciados no sábado, dia 15, entre o exército regular e milícias das Forças de Intervenção Rápida (FIR), que já provocaram elevado número de vítimas civis, entre mortos e feridos. Os combates, com a utilização de armamento pesado, tanques e aviões, começaram em Cartum e na...

Troca de 900 prisioneiros no Iémen representa novo passo para a paz

As forças apoiadas pela Arábia Saudita e as forças houthis completaram, no dia 16, uma troca de cerca de 900 prisioneiros de guerra. A operação decorreu em diferentes cidades do país, incluindo a capital, Sana, controlada pelo movimento dos houthis, e Aden, sob domínio das forças apoiadas pela Arábia Saudita. Trata-se...

Aktion T4, EUA

A Fundação de Caridade para os Cuidados Institucionais até tinha «caridade» no nome, mas geria o Aktion T4, o monstruoso programa nazi para a «eutanásia misericordiosa dos doentes incuráveis» que «não merecem a vida». Mais de 70 mil pessoas com deficiência e doenças físicas ou mentais foram...