A China num mundo em mudança

Luís Carapinha

A diplomacia chinesa marca pontos

O anúncio do estabelecimento de relações diplomáticas entre a China e as Honduras, deixando em 13 o número de países que reconhecem Taiwan, é mais um desenvolvimento de monta da activa diplomacia de Pequim. Só nos últimos dias, a China marcou pontos ao mediar o acordo entre a Arábia Saudita e o Irão de restauração das relações diplomáticas, um revés para os EUA e Israel com potenciais profundos impactos no plano regional, e na importante deslocação de Xi Jinping a Moscovo – que Washington e seus acólitos tudo fizeram para tentar ensombrar, inclusive por via da provocação (autodesmascarante) do TPI. A tendência de aprofundamento da parceria estratégica sino-russa é uma realidade no presente quadro internacional e motivo de forte apreensão nos EUA e Ocidente alargado.

Um dos temas abordado pelos dois presidentes foi a proposta chinesa para o conflito da Ucrânia, uma proposta de folha de rota para um processo negocial. Por motivo de doença, Lula cancelou a visita à China agendada para esta semana. Tal como a Rússia, a China é o principal parceiro comercial do Brasil. Os três países integram o BRICS com a Índia e a África do Sul, sendo assinalável que a lista de países emergentes que manifestaram intenção de aderir à organização multilateral aumentou significativamente no último ano, atravessando diferentes continentes e sistemas políticos.

À ascensão pacífica da China responde o imperialismo norte-americano com a fixação ideológica no repto sistémico-existencial representado pela segunda economia mundial e o desatar de uma nova era de confrontação mundial, cujo destinatário central é a China e o poder do PCC. A guerra comercial, tecnológica e económica, a ruptura da globalização, a desacoplagem das cadeias de produção e a grande estratégia para o Indo-Pacífico visam a supressão do desenvolvimento da China – não sendo, de modo algum, despiciendos as contradições e desafios internos com que se depara a China – e a inviabilização das metas de modernização socialista traçadas para 2035/2050.

É aqui que se inserem a ideia da NATO asiática e iniciativas diversas como o AUKUS e o Quad, o Quadro Económico do Indo-Pacífico, o triângulo militar EUA-Japão-Filipinas, as alianças anti-China com Taiwan na área dos chips, procurando envolver o Japão, Coreia do Sul e a UE, a par da instrumentalização explosiva da questão de Taiwan. A reedição da Cimeira pela Democracia faz parte deste processo de estrangulamento dos princípios do direito internacional e da Carta da ONU em nome do mundo baseado nas regras impostas por Washington.

Contudo, há um pequeno senão na estratégia irracional de hegemonia perpétua. O puzzle não está completo sem o incêndio larvar que, a variadíssimos níveis, grassa desde o interior dos EUA. Em especial, os desenvolvimentos alarmantes da crise do sistema bancário-financeiro, em linha de continuidade com a crise mundial de 2007/8 e a recessão global associada à COVID, a mais grave desde a Grande Depressão. As gigantescas doses de liquidez, sem correspondência no plano produtivo, alimentaram a inflação, agravada com a turbulência nas cadeias de valor global, promovida pela sanha anti-chinesa e as sanções dos EUA. Com uma economia massivamente dopada, a Reserva Federal é obrigada a ligar o sistema bancário ao suporte de vida artificial, continuando a imprimir dólares.

A estagflação e recessão assomam no horizonte...




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