Medidas do Governo não travam empobrecimento nem preços especulativos

O Go­verno re­co­nhece que a su­bida dos preços dos bens ali­men­tares é um «pro­blema cen­tral» na vida das pes­soas, as­su­mindo a in­tenção de «agir» para a sua re­dução. Nada do que anun­ciou mexe porém no que é fun­da­mental: o con­trolo e fi­xação dos preços e das mar­gens de lucro

Grupos eco­nó­micos con­ti­nuam a acu­mular lu­cros co­los­sais ge­rados com a es­pe­cu­lação

O ca­rácter «li­mi­tado e par­celar» das me­didas anun­ci­adas pelo Go­verno face à di­mensão dos pro­blemas com que a ge­ne­ra­li­dade da po­pu­lação está con­fron­tada – au­mento do custo de vida, preços es­pe­cu­la­tivos de bens e ser­viços es­sen­ciais, perda do poder de compra dos sa­lá­rios e pen­sões -, foi re­al­çado pela pre­si­dente do Grupo Par­la­mentar do PCP, numa de­cla­ração pro­fe­rida dia 24, na sequência das me­didas anun­ci­adas na vés­pera pelo Exe­cu­tivo «para mi­tigar o au­mento do custo de vida».

Para o PCP, tais me­didas «não só não dão res­posta aos pro­blemas como con­so­lidam o au­mento de preços». Mais, não travam o au­mento dos lu­cros ge­rados pela es­pe­cu­lação.

«O que foi anun­ciado re­la­ti­va­mente ao IVA não dá qual­quer ga­rantia de que se tra­du­zirá numa re­dução de preços, porque essa re­dução pode ser ab­sor­vida pelos lu­cros dos grupos eco­nó­micos», ad­vertiu Paula Santos, antes de re­a­firmar aquela que tem sido uma das prin­ci­pais pro­postas do PCP: «con­trolo e fi­xação de preços para re­mover as com­po­nentes es­pe­cu­la­tivas dos preços de bens e ser­viços es­sen­ciais».

Já re­la­ti­va­mente aos sa­lá­rios, o que se exige é o «au­mento geral de todos os sa­lá­rios de todos os tra­ba­lha­dores», bem como das pen­sões, em ordem a per­mitir uma re­cu­pe­ração do «poder de compra per­dido», frisou a par­la­mentar co­mu­nista, para quem o valor de 1% de au­mento anun­ciado para a Ad­mi­nis­tração Pú­blica está longe de «ter em conta a in­flação de 2022, como o valor da in­flação já no ano de 2023».

O ganho dos tu­ba­rões

Para a ne­ces­si­dade de adoptar um firme com­bate ao au­mento es­pe­cu­la­tivo dos preços de bens e ser­viços es­sen­ciais havia já cha­mado a atenção na an­te­vés­pera a líder par­la­mentar co­mu­nista no de­bate sobre po­lí­tica geral com o pri­meiro-mi­nistro.

Acu­sando o Go­verno de inacção, ilus­trou na oca­sião essa au­sência de travão ao au­mento es­pe­cu­la­tivo dos preços com o exemplo da pêra rocha: «há três anos um quilo era pago a 15 cên­timos ao pro­dutor, hoje é pago a 25 cên­timo, mas há três anos era ven­dido a 1,49 euros e agora já foi ven­dido a 2,49 euros». Ou seja, «os pro­du­tores ficam com mais 10 cên­timos e a grande dis­tri­buição fica com mais um euro», cons­tatou a par­la­mentar co­mu­nista, ques­ti­o­nando: «Quem fica com a parte de leão?»

A per­gunta não ob­teve res­posta, de­sa­pro­vei­tando assim An­tónio Costa a deixa para mos­trar, a partir da­quele caso con­creto, re­jeição por si­tu­a­ções da­quela na­tu­reza e efec­tiva von­tade de com­bater a es­pe­cu­lação. Não tendo sido essa a opção, re­velou como falam mais alto os com­pro­missos com os in­te­resses dos grupos eco­nó­micos.

Li­mitou-se a ad­mitir que há «ne­ces­si­dade de maior trans­pa­rência em toda a ca­deia ali­mentar» e de «con­trolar a in­flação sobre os bens ali­men­tares, cujo valor disse estar «cla­ra­mente acima da­quilo que é e média da in­flação a nível na­ci­onal e mesmo acima do que acon­tece em ou­tros países». Adi­antou ainda que o Go­verno está a «tra­ba­lhar com o sector para agir sobre preços em di­versas di­men­sões», a saber, «ajudas à pro­dução» e no plano da «re­dução da fis­ca­li­dade, ou seja, do IVA».

«Esse tra­balho deve ser muito dis­creto porque os preços con­ti­nuam a au­mentar», ri­postou Paula Santos, in­sis­tindo que a «questão é saber se vai ou não in­tervir sobre as mar­gens de lucro que estão a sa­cri­ficar os sa­lá­rios e pen­sões, se vai ou não va­lo­rizar o poder de compra per­dido». É que, con­cluiu, «até agora o que o Go­verno fez foi impor a perda do poder de compra».

Mas também sobre esses pontos ful­crais o chefe do Go­verno foi omisso.

Antes, Paula Santos, ano­tara já que foram iden­ti­fi­cadas «mar­gens de lucro de 30, 40, 50 por cento e mais em di­versos pro­dutos».

E quanto aos lu­cros, também esses nos dizem al­guma coisa: «a grande dis­tri­buição au­mentou os seus lu­cros em 2022, a SONAE em 27,7% e a Je­ró­nimo Mar­tins em 29,3% nos pri­meiros meses de 2022», in­formou a de­pu­tada do PCP, con­cluindo que a «in­flação não re­sulta do au­mento da pro­cura, mas sim do au­mento das mar­gens de lucro».

 

Sa­cudir a água do ca­pote

«O Go­verno não se subs­titui às ad­mi­nis­tra­ções das em­presas. Esses tra­ba­lha­dores não são da CP, mas de uma em­presa que presta ser­viço à CP». Foi desta forma, seca e la­có­nica, des­car­tando res­pon­sa­bi­li­dades, que o pri­meiro-mi­nistro abordou a si­tu­ação dos tra­ba­lha­dores dos bares dos com­boios da CP que lutam pelo pa­ga­mento dos sa­lá­rios em atraso e pela sal­va­guarda dos seus postos de tra­balho.

«O pro­blema é mesmo não serem tra­ba­lha­dores do CP, quando de­ve­riam ser. Porque o tra­balho que de­sem­pe­nham é fun­da­mental para me­lhorar a pres­tação do ser­viço pú­blico fer­ro­viário», re­tor­quiu Paula Santos, que sus­ci­tara a questão no de­curso do de­bate, per­gun­tando con­cre­ta­mente a An­tónia Costa se vai pro­ceder à in­te­gração da­queles tra­ba­lha­dores nos qua­dros da em­presa.

A líder par­la­mentar co­mu­nista con­si­derou a si­tu­ação «inad­mis­sível», lem­brando que está a pe­na­lizar os tra­ba­lha­dores e a su­jeitá-los a «enorme ins­ta­bi­li­dade e in­cer­teza», so­bre­tudo num con­texto como o ac­tual de agra­va­mento das con­di­ções de vida.

Para Paula Santos, «este é o re­sul­tado da en­trega a pri­vados de ser­viços que de­viam ser pú­blicos».

 

De­gra­dação do trans­porte flu­vial

O pri­meiro-mi­nistro foi ainda con­fron­tado no de­curso do de­bate com a questão do trans­porte flu­vial no Rio Tejo. A ini­ci­a­tiva partiu da ban­cada co­mu­nista, com Paula Santos a co­meçar por re­cordar a re­cusa de visto prévio do Tri­bunal de Contas ao con­trato de for­ne­ci­mento de ba­te­rias para os novos na­vios eléc­tricos, apre­sen­tado pela Trans­tejo, de­pois de so­li­ci­tada, por duas vezes, do­cu­men­tação e in­for­mação em falta.

Mos­trando-se muito crí­tica com a ac­tu­ação do Exe­cu­tivo, a quem acusou de ter «op­tado por ex­pe­ri­men­ta­lismos» - ao impor uma so­lução téc­nica que não está su­fi­ci­en­te­mente tes­tada e de­sen­vol­vida a nível in­ter­na­ci­onal -, além de ter ex­cluído um es­ta­leiro naval por­tu­guês que apre­sen­tava um preço mais baixo (in­cluindo as ba­te­rias dos na­vios) com­pa­ra­ti­va­mente com o es­ta­leiro es­pa­nhol, a líder par­la­mentar co­mu­nista con­si­derou que a «tra­pa­lhada» em que se tornou todo este pro­cesso de aqui­sição dos na­vios po­deria ter sido evi­tada caso o Go­verno ti­vesse le­vado em conta as «crí­ticas e os alertas» feitos pelo PCP há dois anos.

No meio de tudo isto, a que acresce a «não va­lo­ri­zação dos tra­ba­lha­dores nem a ga­rantia de con­di­ções de tra­balho» – e este foi o ponto ne­vrál­gico para o qual Paula Santos chamou a atenção -, quem sofre é a po­pu­lação, su­jeita a um trans­porte flu­vial que se de­grada di­a­ri­a­mente, «com in­cum­pri­mento de ho­rá­rios e su­pressão de car­reiras de­vido à falta de ma­nu­tenção dos na­vios, à falta de tra­ba­lha­dores».

«Como pre­tende o Go­verno re­solver o pro­blema?, foi a per­gunta for­mu­lada por Paula Santos, a que An­tónio Costa, por de­fi­ci­ente gestão do seu tempo, não res­pondeu.

 

Go­verno finge que faz, mas não faz

In­tro­du­zido no centro do de­bate foram ainda os pro­blemas exis­tentes nos ca­pí­tulos da ha­bi­tação, da saúde e da edu­cação. Traço comum em todos eles é a falta de res­posta do Go­verno capaz de os su­perar.

No caso da ha­bi­tação, pe­rante os custos cres­cen­te­mente in­com­por­tá­veis que a tornam ina­ces­sível a um nú­mero cada vez maior de por­tu­gueses, o que faz o Go­verno? «Não só não ga­rante ha­bi­tação como in­cen­tiva a es­pe­cu­lação», sus­tentou Paula Santos, cri­ti­cando o facto de o Exe­cu­tivo con­ti­nuar a não pôr os lu­cros da banca (quase sete mi­lhões de euros de lu­cros por dia em 2022) a su­portar o au­mento das taxas de juro, em vez de re­flectir a su­bida destas nas pres­ta­ções men­sais dos em­prés­timos à ha­bi­tação.

Fa­lando ainda das me­didas avan­çadas pelo Go­verno, a pre­si­dente do Grupo co­mu­nista não deixou de anotar que não tenha ha­vido «uma única pa­lavra» no sen­tido de re­forçar os di­reitos dos in­qui­linos e re­vogar a lei dos des­pejos. «Não só não há, como pre­tende fa­ci­litar ainda mais os des­pejos», acusou, ar­gu­men­tando que também em re­lação à ha­bi­tação pú­blica não tem ha­vido da parte do Es­tado o papel e acção que lhe cabe as­sumir.

Já no to­cante à saúde, foi também muito crí­tica a ava­li­ação ao de­sem­penho do Go­verno, com Paula Santos a res­pon­sa­bi­lizá-lo pelo «agra­va­mento da si­tu­ação», por «inacção», e a acusá-lo de «es­can­carar as portas aos in­te­resses dos grupos pri­vados».

«Pe­rante as di­fi­cul­dades para as­se­gurar o ade­quado fun­ci­o­na­mento dos ser­viços pú­blicos de saúde, ao invés de adoptar me­didas para fixar os pro­fis­si­o­nais de saúde no SNS, de­cide en­cerrar ser­viços», cen­surou, su­bli­nhando que os únicos que ga­nham com esta de­cisão são os grupos pri­vados que lu­cram com a do­ença».

Igual­mente crí­tico foi o juízo feito à acção go­ver­na­tiva no plano da edu­cação. De­pois de lem­brar a «enorme dis­po­ni­bi­li­dade e mo­bi­li­zação dos pro­fes­sores para a de­fesa dos seus di­reitos e da Es­cola Pú­blica», a líder par­la­mentar co­mu­nista in­sistiu na ne­ces­si­dade de cor­res­ponder àquelas que têm sido as ban­deiras de luta dos pro­fes­sores: «va­lo­rizar a car­reira, a pro­fissão, os sa­lá­rios; con­ta­bi­lizar todo o tempo de ser­viço para efeitos de pro­gressão, pôr fim às quotas e às vagas no acesso ao 5.º e ao 7.º es­calão para todos os do­centes; vin­cular os pro­fes­sores sem ul­tra­pas­sagem, assim como a vin­cu­lação de todos os téc­nicos es­pe­ci­a­li­zados».

«Não há nada que im­peça o Go­verno de re­solver estas ques­tões. Não faz porque não quer», re­matou Paula Santos.



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