Uma inaceitável intromissão
Sob diversos pretextos e ancoradas em supostas boas intenções e nos «mais justos» combates, as instituições da UE aproveitam todas as ocasiões para levar a cabo novos assaltos à soberania dos Estados, atacando até competências que, mesmo nos termos dos Tratados da UE, estão na alçada dos Estados-Membros.
A propósito da discussão de um regulamento sobre «transparência e direccionamento de propaganda política», assistimos, na passada semana, a mais um destes episódios.
Justificando-a com a necessidade de bom funcionamento do mercado interno, a Comissão Europeia e a maioria do Parlamento Europeu argumentam com a necessidade de harmonização de conceitos e de regras que regulam a actividade de «prestadores de serviços de propaganda política».
Invocando a necessidade de transparência (que tão pouco praticam), querem «assegurar um processo democrático, justo e aberto em todos os Estados-Membros». Em nome do combate à «desinformação» e à «interferência nos processos eleitorais» consideram que «um sistema da UE ajudaria também as autoridades competentes (...) a desempenharem o seu papel no processo democrático».
Por detrás das pias intenções, é notória a gravidade dos caminhos trilhados. Destaca-se, por um lado, a abordagem mercantil a matérias relativas a direitos fundamentais, com objectivos de promoção de um negócio e favorecimento de grandes empresas no desenvolvimento de actividades económicas e comerciais de propaganda política e eleitoral. Através da harmonização e consequente facilitação da identificação de regras aplicáveis ao «mercado» da propaganda política, pretendem reduzir os custos e facilitar a vida aos grandes grupos económicos.
Por outro lado – e ainda mais relevante, – estamos perante uma ofensiva contra as leis, as especificidades, os enquadramentos nacionais desta questão, que assumem uma incontornável centralidade. No caso de Portugal, está em causa a própria Constituição, que importa defender: a liberdade de expressão e informação, a liberdade de propaganda política, aspectos essenciais do regime democrático.
Sob a capa da eficácia e da clareza visam, com esta harmonização, afastar regras mais exigentes das legislações nacionais decorrentes de uma preocupação mais centrada em critérios de defesa do regime democrático e dos sistemas eleitorais.
Além dos conceitos que se pretendem uniformizar, nalguns casos de forma limitativa daquilo que é a propaganda política e eleitoral, são criadas figuras com ressonâncias algo sinistras: é o caso da figura dos editores de propaganda política, que podem determinar se um conteúdo cumpre ou não com o normativo definido. Por exemplos passados, mesmo alguns mais recentes, será de questionar: onde acaba o «combate à desinformação» e a «promoção da transparência» e começa a prática censória?