Mais um «caso» e nova deriva

Carlos Gonçalves

A semana passada, logo após o Tribunal Constitucional (TC) considerar que a Lei que reestrutura o Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional não viola a Constituição(!), o PR promulgou-a. A lei transfere os gabinetes da Europol e Interpol da responsabilidade da Polícia Judiciária (PJ) para a tutela do Secretário Geral do Sistema de Segurança Interna (SGSSI), um secretário de Estado que depende do primeiro-ministro, «por tradição» consensual entre PS e PSD, o embaixador Vizeu Pinheiro.

Com origem em decisões da UE, interpretadas à maneira do PS, que há anos propõe este caminho e sempre foi mais federalista que Bruxelas, ficam sob controlo e conhecimento do SGSSI e do Governo elementos de informação e investigação criminal, com origem ou destino na UE e no mundo, de tráficos, crime económico, corrupção, branqueamento, de nacionais e de outros países, que até agora eram apenas conhecidos da PJ e do Ministério Público. O facto dos gabinetes terem um responsável directo da PJ não anula o controlo do SGSSI.

O argumento do TC de que não existe «potencial de intrusão» do Governo, porque a investigação criminal goza de autonomia e os tribunais de independência, não convence os sindicatos do Ministério Público e da PJ, nem as direcções destas instituições, nem o PCP, que mantêm a discordância com a «interferência». O «potencial» de manipulação de informação e elementos de prova pelo crime organizado cresce com a nova Lei. Fica diminuído o segredo de investigação e crescem as dificuldades no combate ao crime sofisticado. Medram as ameaças de uma deriva que protege os interesses económicos e a impunidade, na especulação, no crime económico, na desqualificação da justiça e da democracia.

Hoje, PSD e fascistas assumidos alimentam-se de «casos» e denúncia de corrupção, seja ou não verdadeira – não importa –, porque nada têm a contrapor de facto à política do Governo PS, cada vez mais à direita.

Por isso – está «escrito nas estrelas» –, em breve um novo «caso» grave, real ou «fake», envolvendo Europol, Interpol, SGSSI e Governo, dará suporte a uma nova campanha de extrema-direita, a uma nova e mais perigosa deriva contra a Justiça, antidemocrática e fascisante, com os perigos inerentes. É preciso alertar toda a gente.




Mais artigos de: Opinião

A minha primeira Startup

A quem tenha dúvidas de que a ofensiva ideológica do capitalismo tem linhas e procura ter efeitos a partir do berço e não lhes sejam suficientes os exemplos do filme de animação Zootrópolis, em que o animal que representa o funcionário público é uma preguiça – adorável, é certo, mas uma preguiça que há-de confirmar a...

O «putinista» Tchaikovsky

Um «jornal de referência» dito liberal (Guardian, 8.12.2022) publica mais um apelo à censura cultural internacional vindo do ministro da cultura de Zelensky, Tkachenko: «boicotar a cultura russa é um passo importante. Não estamos a falar em cancelar Tchaikovsky, mas antes de fazer uma pausa na interpretação das suas...

Farol mas pouco

A resolução do Senado norte-americano que condena a Rússia pela invasão da Ucrânia, aprovada por unanimidade, começa com um «considerando» assaz elucidativo da forma como os EUA vêem o mundo: «considerando que os Estados Unidos da América são um farol para os valores da liberdade, democracia e direitos humanos em todo o...

Casa roubada...

O que se passa entre os «aliados» dos dois lados do Atlântico merece reflexão. A UE, após aplicar infindáveis pacotes de sanções que, mais do que sancionar a Rússia, sancionam a própria UE; após assistir muda e queda à sabotagem dos gasodutos NordStream, encomendados e pagos pela Alemanha; após ver as suas empresas a...

Ver a casa por um canudo… Não tem de ser assim!

Todos os dias abundam nas notícias títulos como «subida dos juros afecta famílias», «preços das rendas continuam a aumentar», «valores das habitações aceleram». É uma amostra de como estão as coisas. O acesso à habitação é um direito constitucional, mas as opções dos sucessivos governos PS,...