A minha primeira Startup
A quem tenha dúvidas de que a ofensiva ideológica do capitalismo tem linhas e procura ter efeitos a partir do berço e não lhes sejam suficientes os exemplos do filme de animação Zootrópolis, em que o animal que representa o funcionário público é uma preguiça – adorável, é certo, mas uma preguiça que há-de confirmar a ideia espalhada pelos que vivem literalmente à conta do Estado e de quem produz a riqueza, de que os trabalhadores da Administração Pública não fazem nada –, ou da Feira de Mini-Empreendedores para crianças do Ensino Básico promovida pela autarquia da Ribeira Grande, ou ainda as acções que a Junior Achievement Portugal desenvolve em escolas do País para «levar o empreendedorismo para dentro das salas de aula», temos outro exemplo para apresentar.
Na ânsia de espalharem a palavra do santo mercado, de promoverem as virtudes da iniciativa individual, de endeusarem o só não te safas se não quiseres, vão fazendo nascer projectos para educar o rebanho tão cedo quanto seja possível.
A empresa Science4you, que se dedica à produção e venda de jogos didáticos, apresenta, pela módica quantia de 19,99 euros, já com IVA, um jogo para idades acima de 6 anos chamado A minha primeira Startup, que é apresentado no sítio Internet da empresa com um apelo directo a cada criança: «aprende como criar um negócio passo a passo e ganha inspiração para criar a tua própria Startup! Descobre como encontrar uma fantástica ideia de negócio e uma estratégia para o implementar. Faz o teu próprio anúncio de televisão enquanto aprendes sobre marketing. Cria um porquinho mealheiro e aprende a guardar os teus lucros.»
No conteúdo da caixa colorida não faltam um «livro educativo» (até estou em pulgas para o desfolhar), «moedas e cartões de crédito», uma «máquina registadora montável» e um «bloco de registo de vendas».
Só não singra na vida, só não guarda os seus lucros quem não quer ou é, lá está, um preguiçoso.
Os donos da Science4you apenas fixaram a parte de como guardar os seus lucros, e vai daí anunciaram, presume-se que como presente de Natal, aos trabalhadores que produzem os brinquedos e os fazem chegar às mãos das crianças que vão fazer um despedimento colectivo.
Os trabalhadores, a quem os cartões de crédito de brincar valem de pouco, podem sempre, claro está, iniciar a sua primeira Startup. Vão mas é trabalhar!