O algodão não engana

João Frazão

Não foi preciso muito tempo para confirmar o rumo de empobrecimento dos trabalhadores que vimos denunciando há muito. Depois de se saber que 2022 será o ano em que a redução do peso dos salários no rendimento nacional mais se reduz, desde a entrada na UE, o sempre bem informado Expresso informa que 61% das empresas contam proceder a aumentos salariais abaixo dos 4,9%, ou seja, aquém da taxa de referência de 5,1% que o Governo colocou no chamado acordo de rendimentos, que a UGT aceitou, mesmo sabendo que isso implicaria uma perda brutal de poder de compra dos salários e o empobrecimento dos trabalhadores, e que o capital tolerou, para assegurar uma das maiores transferências de verbas para os seus bolsos directamente dos bolsos dos trabalhadores.

Quando se discutia a necessidade de um amplo consenso nacional em torno desse acordo, que iria trazer a paz social e assegurar melhores condições ao desenvolvimento da economia, houve quem chamasse a atenção para o logro que ele representava, uma vez que, atribuindo um imenso conjunto de benefícios, designadamente no plano fiscal, e prevendo apoios vários às empresas, nem estas ficaram obrigadas a proceder a aumentos salariais que assegurassem a valorização do poder de compra dos trabalhadores, nem foram afastadas as normas do Código do Trabalho que garantem as ferramentas ao capital para agravar a exploração pelo esmagamento dos salários, designadamente a caducidade da contratação colectiva.

Mas estas informações, que são complementadas com a de que apenas 7% das empresas admite atribuir aumentos que compensem a inflação, são ainda mais significativas quando são conhecidas no mesmo momento em que se sabe que o povo português, em resultado da convergência do continuado e avassalador aumento dos preços dos bens essenciais e da recusa em aumentar salários e pensões, os portugueses apesar de terem de comprar menos alimentos estão a desembolsar mais, muito mais por isso.

Assim se explica que eles continuem a engordar enquanto nós pagamos, cada vez com mais dificuldade. Estou convencido que ainda os vamos ouvir outra vez dizer que estamos todos no mesmo barco e que a crise toca a todos, mas que vai ficar tudo bem.




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