Quem se contenta com a sorte é feliz até à morte

Margarida Botelho

O provérbio que dá título ao texto encontrava-se muitas vezes em azulejos, daqueles que ocupavam cozinhas e tabernas pelo País todo. Promovia o conformismo com as agruras da vida terrena, talvez à espera da redenção e da felicidade depois da morte.

Nos tempos que correm, é uma mensagem demasiado simplista. Mas como gente conformada e resignada, contente e agradecida com o que lhe calhou em sorte é muito útil a quem vive de explorar outros, foi preciso dar um toque de modernidade à coisa.

O mindfullness é uma prática de meditação que se baseia na aceitação do momento presente. Naturalmente que não se desvalorizam as técnicas e práticas que cada pessoa encontra ao longo da vida para alcançar o bem-estar psicológico, o equilíbrio e a felicidade – antes pelo contrário. Onde já dá para estranhar é quando são grandes empresas a promover o mindfullness nos locais de trabalho.

A Galp recomenda no seu site que os colaboradores pratiquem exercícios de mindfullness em conjunto. A Iberdrola anuncia mais de 1600 trabalhadores envolvidos na prática. Empresas especializadas nesta meditação apresentam como clientes grandes locais de trabalho, como a TAP, ministérios, hospitais, etc. Multinacionais famosas usam programas baseados em mindfulness na forma como trabalham «para optimizar a sua produtividade e ter um impacto positivo no bem-estar dos seus trabalhadores».

Claro que há outras coisas com impactos positivos nos trabalhadores. Salários dignos, horários regulados, vínculos de trabalho estáveis. Mas também ritmos e objectivos de produção alcançáveis, boas condições físicas nos locais de trabalho, da ergonomia das ferramentas e dos materiais, à qualidade dos espaços de refeição e instalações sanitárias. O respeito por direitos de maternidade e paternidade, pela liberdade sindical ou pelo direito a ter vida. Combater o abuso do trabalho nocturno, por turnos ou ao fim de semana. Tudo condições objectivas que promovem o bem-estar, a produtividade e diminuem o stress.

Medite-se à vontade sobre o assunto, mas que se resolva o que é concreto. Se não mais vale poupar o dinheiro do curso de mindfullness para empresas – basta pendurar o azulejo à porta.




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