As coisinhas

Manuel Gouveia

A grande redução de impostos sobre os trabalhadores é uma farsa. Os trabalhadores vão pagar mais impostos no próximo ano. Os jornais enchem-se com páginas de simulações e anúncios do Governo, mas falta sempre qualquer coisinha.

É verdade que os escalões do IRS são actualizados em 5,1%. Mas a taxa de inflação estimada pelo Governo para 2022 é de 7,4%, e pelo Banco de Portugal é 7,8%. Ora, para 5,1% a diferença são dois vírgula qualquer coisinha.

É verdade que o segundo escalão do IRS, em 2023, deixa de ser tributado a 23% e passa a ser tributado a 21%. Este escalão atinge os rendimentos colectáveis entre 7479 e 11284 euros. A redução de dois pontos percentuais vale (em 2023) um máximo de 76 euros por contribuinte, e beneficia todos os do 2.º escalão para cima.

Mas há uma coisinha que é pouco destacada, e que pouca gente conhece. A dedução específica não é actualizada. Ora, a dedução específica é aquela coisinha que é abatida ao rendimento bruto para determinar a massa colectável. E o Governo não mexe na dedução específica. Continua nos mesmos 4104 euros. Se fosse actualizada aos 7,8% passaria para os 4424 euros, reduzindo a matéria colectável em 320 euros. Como esta diferença é, na prática, taxada ao valor do último escalão aplicado a cada contribuinte, temos uma perda de 67 euros no segundo escalão, de 85 no terceiro, e assim sucessivamente.

Como o Governo tão pouco actualiza a dedução à colecta. Por exemplo, quase todos os contribuintes deduzem os 250 euros de despesas gerais (basta 750 euros de despesas). Se lhe fosse aplicada a taxa de inflação, essa dedução deveria passar para os 270 euros. Mais 20 euros para abater à colecta. Que não são tidos em conta. Outra coisinha.

São coisinhas. Insignificâncias. Ao contrário das extraordinárias e tão papagueadas benesses que o Governo acertou com o patronato para beneficiar os trabalhadores. Mas são estas coisinhas, habilidosamente escondidas das massas, que constroem e explicam a realidade.

 



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