«No Saara Ocidental, 47 anos depois, não nos cansamos, não nos rendemos»
Membro da delegação da Frente Polisário que participou na Festa do Avante!, Jalil Mohamed Abdelazize aborda a situação que prevalece no Saara Ocidental. E garante que o povo saarauí, que luta há quase meio século pelo seu inalienável direito à autodeterminação e independência, não se cansa e não se rende.
«Nós só pedimos o respeito pelas resoluções das Nações Unidas»
Qual a situação da luta do povo sarauí dirigida pela Frente Polisário face à ocupação ilegal de territórios do Sahara Ocidental por Marrocos?
Lamentavelmente, depois de 47 anos, o povo saarauí continua à espera, em difíceis condições, de poder exercer o seu direito inalienável à autodeterminação e independência, como o exerceram muitos povos africanos, asiáticos e latino-americanos.
Nós, o povo saarauí, desde que começou a luta contra o colonialismo espanhol, em 1973, e depois contra a ocupação militar ilegal de Marrocos, continuamos a resistir, em condições muito difíceis, nos acampamentos de refugiados do Sudoeste da Argélia e nas zonas ocupadas por Marrocos, à espera que tenhamos também a oportunidade de concretizar esse direito à autodeterminação e independência. O capítulo tenebroso da época colonial e da ocupação não terminou em África, sendo nós a última colónia africana.
O que tem feito a comunidade internacional para a concretização dos direitos do povo saarauí?
Em 1991, depois de estabelecido o acordo de paz com Marrocos, nós confiámos nos esforços da comunidade internacional, pensando que as Nações Unidas eram um mecanismo que ia defender a justiça e a liberdade internacional, e, em especial, ia defender os direitos dos mais frágeis. Depois de 30 anos, a comunidade internacional não fez nada. Simplesmente, foi apoiando a política de factos consumados de Marrocos para continuar a agredir o povo sarauí, para prosseguir a sua política de extermínio. Nós somente pedimos algo tão simples, tão elementar, como é o respeito pelas resoluções das Nações Unidas!
Após três décadas, apesar da nossa paciência, o povo saarauí perdeu todo o tipo de ilusões, todo o tipo de esperança, e, sobretudo, perdeu a confiança nos mecanismos da comunidade internacional como as Nações Unidas. E, em 13 Novembro de 2020, depois de uma agressão por parte de Marrocos, a Frente Polisário, como único e legítimo representante do povo saarauí no Saara Ocidental, deu por fim o cessar-fogo e recorreu à luta armada, um direito legítimo dos povos para fazer respeitar a sua dignidade e as suas aspirações.
E qual é a situação que prevalece hoje?
Estamos numa situação de guerra, uma situação muito lamentável, sobretudo para o povo saarauí mas também para o povo marroquino. Há que realçar que nós não temos nada contra o povo marroquino mas sim contra o regime ditatorial e monárquico de Marrocos. Mas também é uma situação muito perigosa para todos os povos da região, já que a instabilidade que prevalece influi de forma directa na vida das populações.
Esperamos que a comunidade internacional assuma as suas responsabilidades, que Marrocos reconsidere e deixe de obstruir o processo de paz das Nações Unidas para que o povo sarauí possa exercer o seu direito à autodeterminação. Enquanto isso não for respeitado, o povo sarauí, como fez durante tantos anos, e como agora demonstrou uma vez mais, continuará a recorrer a todos os meios legítimos para defender os seus direitos. Que fique claro: passaram já 47 anos desde o início da nossa luta mas não nos cansamos e não nos rendemos.
Como vê a Polisário a recente mudança de posição de Espanha face à ocupação do Saara Ocidental por Marrocos?
Creio que a traição de Espanha ao povo saarauí não é nova. Começou em 1975, com a assinatura do acordo tripartido de Madrid, através do qual vendeu o povo saarauí à ocupação de Marrocos e da Mauritânia. A Espanha nunca esteve à altura da sua responsabilidade histórica no processo de descolonização do Saara Ocidental. Há que ter em conta que, para as Nações Unidas, o Saara Ocidental continua a ser um território sob dominação colonial espanhola. E porquê? Porque no quadro da legalidade internacional a soberania dos povos é intransferível, pelo que a Espanha não pode dizer este território pertence a Marrocos ou o Saara deve ser marroquino. Essa é uma escolha que cabe só ao povo saarauí através do exercício do seu direito à autodeterminação.
Que consequências poderá ter essa posição?
A Espanha não tem capacidade de mudar o status político do Saara Ocidental. Se a Espanha quer continuar a atraiçoar a sua própria história, pode prosseguir e submeter-se à chantagem de Marrocos. Mas somente conseguirá apoiar um regime ditatorial como Marrocos e nunca logrará que o Saara Ocidental seja marroquino.
Nós não pedimos a Espanha nenhum favor. Pedimos simplesmente que seja coerente. Com a sua opinião pública, que é muito solidária com o povo ssarauí. Coerente com a sua própria história em relação às colónias. E coerente com a legalidade internacional.