Que desporto temos? Que desporto queremos?
O desporto é um direito inalienável de todos
Lusa
Nesta procura das razões que explicam o atraso do desenvolvimento desportivo do País, entendendo-o muito para além da conquista de medalhas nas competições internacionais, a criança constitui a principal vítima da desatenção com que são tratadas nas escolas, nas cidades e na própria família, as suas necessidades de desenvolvimento global, afinal um dos factores essenciais para a correcção desta situação.
Como bem se sabe, durante grande parte do século XX considerou-se que o desporto não devia ser praticado pelos seres humanos em crescimento antes de terminada a puberdade, ou seja, pelos 14/15 anos. Só a partir da década de 60/70 é que se passou a reconhecer que a prática desportiva precoce poderia desempenhar um importante papel no «desenvolvimento físico saudável» das crianças.
Tratou-se de um importante avanço no processo educativo, mas que nunca deixou de encontrar pela frente sérios inimigos, entre políticos e técnicos de diferente áreas, inclusive a educativa e a médica. Todavia, limitando-se ao «físico» e à saúde, estava longe de constituir uma visão correcta do ponto de vista do próprio desporto e, muito mais, da utilização da prática desportiva como instrumento educativo insubstituível.
Será bom não desvalorizar os argumentos apresentados, na medida em que baseavam a sua crítica na análise daquilo que se passava, e em muitos casos continua a passar-se, com a integração da criança numa prática desportiva concebida para adultos, traduzindo-se na «especialização precoce» com a finalidade única do «ganhar, ganhar» e da vitória, considerando que o tão enaltecido valor educativo emergia automática e espontaneamente da sua prática. O problema assume uma gravidade extrema quando se toma em consideração a presença desta prática desportiva na vida das crianças até aos 10/12 anos de idade, quando este se apresenta como uma cópia minimizada do desporto adulto, como acontece na iniciação desportiva.
Concepção alargada
Defende-se aqui, como sempre defendemos, uma concepção alargada do significado do desporto, direito inalienável de todos, independentemente da sua situação específica, e na qual o jogo desempenha um papel de enorme importância. Mas que, em relação à criança, é absolutamente crucial.
A palavra «jogo» é constantemente empregue na linguagem corrente designando situações, comportamentos e actividades de múltipla natureza. Esta utilização tão frequente do termo, como que lhe retirou muito do significado que deve assumir no campo da educação, em especial na educação da criança e do adolescente. Evidentemente que, tal como todo o processo educativo, exige uma adaptação sistemática em termos pedagógicos e científicos ao processo evolutivo da maturação. Sem que tal aconteça, estaremos na presença de um novo erro.
De acordo com esta perspectiva, o jogo constitui uma experiência complexa, apesar de se mostrar com uma espontaneidade e uma simplicidade aparentes, que leva a considerá-lo como algo desprezível e até contrário à educação formal da criança. «As crianças não vão à escola para jogarem, mas para aprenderem» – eis o que ouvimos ao longo de muitos anos de acção educativa. Trata-se de mais um erro que prejudica profundamente os pequenos seres em crescimento.
Na realidade, no jogo activo a criança integra num mesmo processo a actividade motora (o movimento), os seus processos cognitivos (o desenvolvimento do cérebro), a sua afectividade (as emoções), as suas representações (conhecimentos, curiosidades e gostos), a sua relação com os outros (lógicas inter-relacionais e intra-psíquicas) e a descoberta do meio ambiente em que evolui. Contudo, é importante tomar em consideração que em cada estádio da evolução, a presença do educador é essencial para garantir plenamente a expressão destes aspectos fundamentais que o jogo pode assumir. Isto sem menosprezar ou impedir a concretização do jogo livre, realizado pela criança dentro do seu grupo de pares.
Muitos são os obstáculos que se opõem à concretização deste extraordinário processo existencial. É questão que merece a nossa melhor atenção, especialmente quando se toma em consideração que dentro da escola do 1º Ciclo do Ensino Básico, os dados científicos disponíveis apontam para a necessidade de o aluno ter dois períodos diários de actividade activa jogada, de pelo menos 50 minutos cada, dentro da sua escola. Em relação às idades anteriores, o jogo, sob as suas diferentes formas, deve constituir a actividade predominante.