A falsa coesão imperialista

Albano Nunes

Grandes perigos convivem com reais potencialidades

A guerra na Ucrânia está a servir para projectar uma imagem de sólida unidade entre as grandes potências capitalistas em torno da estratégia hegemónica do imperialismo norte-americano. Na verdade trata-se de um alinhamento circunstancial em defesa de um sistema em crise.

Não se esqueça que Trump considerou a NATO «obsoleta» e Macron que esta se encontrava em «morte cerebral»; as divergências em torno de uma UE «autónoma» entretanto abafadas com o salto militarista da Bússola Estratégica; a crise de confiança entre os aliados provocada pela vergonhosa saída das tropas dos EUA do Afeganistão ou pelo chorudo negócio de armamentos entre os EUA e a Austrália em detrimento da França; a violentíssima pressão norte-americana sobre a Alemanha para abandonar o gasoduto NordStream II.

E se é certo que a gigantesca deriva da Alemanha no plano militar e o recrudescimento do militarismo no Japão e na Austrália representam um reforço do poder agressivo do imperialismo no seu conjunto, ninguém espere que a «grande» Alemanha aceite indefinidamente ficar debaixo da asa norte-americana ou que um Japão militarista abandone as suas ambições no Pacífico.

Conjunturalmente, as grandes potências capitalistas unem-se numa escalada contra a Rússia, e os EUA trabalham febrilmente para que o mesmo aconteça contra a China. É um perigo real. Mas é da própria natureza do capitalismo na sua etapa imperialista a agudização das suas contradições na disputa por fontes de mão-de-obra barata, mercados, matérias-primas, luta que já se manifesta vivamente em torno das chamadas transição verde e digital. Esta realidade transporta consigo o agravamento dos perigos de confrontação militar.

Simultaneamente, abre brechas que não só dificultam a acção conjunta – que actualmente se verifica contra a Rússia e se procura que prossiga na tentativa de conter e isolar a China – como abre espaço à luta libertadora dos trabalhadores e dos povos.

A complexa situação que vivemos no plano internacional é, afinal, essencialmente produto do aprofundamento da crise estrutural do capitalismo com a consequente agudização de todas as suas contradições. Quando os ideólogos do capitalismo se afadigam em escamotear os impasses, dificuldades e contradições de um sistema que apresentam como imbatível e sem alternativa, é importante ter em conta esta realidade pois ela confirma uma tese fundamental do XXI Congresso do PCP, a tese de que «grandes perigos coexistem com reais potencialidades de desenvolvimentos progressistas e revolucionários». Tese que em tempos de obscurantismo e reacção, como os que vivemos, contribui para fortalecer a confiança na necessidade e na possibilidade de derrotar sinistros projectos belicistas e avançar pela via do progresso social, da paz e do socialismo.

E quando a comunicação social dominante silencia e diminui tudo o que represente contestação e oposição ao Capital, mais necessário se torna valorizar, como o comunicado da reunião do Comité Central de 5 e 6 de Junho valoriza, a resistência e a luta que prossegue por todo o mundo e que, cedo ou tarde, acabará por conduzir a um novo tempo de afluxo revolucionário. Trata-se de construí-lo pela organização e a luta e agir para que nos desfiles pela paz de 25 e 29 de Junho, respectivamente em Lisboa e no Porto, soe bem alto o grito pela paz.




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