Tiro ao alvo

Anabela Fino

A notícia do assassinato da jornalista palestiniana Shireen Abu Akleh há uma semana, em Jenin, na Cisjordânia, pelas forças israelitas, é um caso de estudo na história dos media. Lamentos e consternações à parte, atente-se como grande parte da comunicação social, para dar conta do abominável crime, recorreu à expressão «foi morta», que é o mesmo mas não é igual a «foi assassinada».

Como muito bem sabem as centrais de (des)informação que todos os dias nos bombardeiam com a verdade oficial, as palavras têm peso e o peso importa na gestão das emoções, que é o campo onde nos querem confinar para evitar que a razão se intrometa e se ponha a avaliar o que nos servem de bandeja.

Por isso Shireen Abu Akleh «morreu» ou «foi morta», apesar de devidamente identificada com capacete e colete com as letras PRESS, quando se preparava para cobrir o ataque israelita a forças palestinianas. Israel logo veio descartar responsabilidades, primeiro divulgando um vídeo que se veio a comprovar não ser do local do crime, e depois, à falta de melhor, declarando que as «forças de defesa de Israel nunca irão deliberadamente visar não combatentes», porque estão «comprometidos com a liberdade de imprensa e com a santidade das vidas humanas».

A prova cabal da seriedade da afirmação foi dada de imediato com o bombardeamento do edifício da Al-Jazeera, onde estavam também os escritórios de correspondentes de meios de comunicação social de diversos países. Nada que a NATO não tenha feito há mais de 20 anos, em Belgrado, para calar a televisão sérvia. Anos volvidos, no apuramento de responsabilidades, um tribunal muito isento havia de concluir que o atacante não tinha tido intenção de provocar vítimas, que as houve, sendo disso culpado o dirigente da estação por não ter mandado evacuar o edifício. Não é humor negro, são factos.

O compromisso com a liberdade de imprensa que assola a União Europeia, os EUA e demais correligionários também ficará para os anais da história do jornalismo ocidental como um caso sui generis em que diversidade é para abater, ou seja, o que a UE considera «veículo de propaganda de Putin» deve «ser policiado e, até, silenciado». Foi o que sucedeu com o canal Russia Today (RT), classificado pelos EUA como «agente estrangeiro» e consequentemente banido, tal como outros, o que nos deixa com a liberdade de aceder... ao que nos deixam aceder.

E por que motivo havia o mundo de querer a RT se tem desde a Segunda Guerra Mundial a Voz da América, financiada pelo governo federal dos EUA, dependente do presidente, retransmitida via rádio e televisão em dezenas de idiomas, tão isenta, mas tão isenta, que não pode emitir para o interior do país para não bafejar a administração em exercício?

Pergunta tola, esta. A liberdade é assim mesmo.




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