Direita, volver!

Anabela Fino

Na segunda volta das eleições presidenciais, a 24 de Abril, os franceses vão escolher entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen, que no escrutínio do último domingo ficaram separados por pouco mais de 400 mil votos. Mal vai a democracia quando as opções se reduzem, como é o caso, a decidir pelo mal menor, ao invés de poder escolher quem defende os interesses do país e do povo.

Basta um rápido olhar pelos programas dos candidatos para se perceber que se de um lado venta, do outro chove, o que poderá explicar o aumento da abstenção em relação às eleições de 2017, de 23 para 27 por cento. Macron reforça o pendor liberal, promete aumentar a idade de reforma para que «cada um trabalhe mais», acena às empresas com a redução de impostos, advoga a ‘meritocracia’ no ensino e o enfeudamento das escolas ao capital, defende a energia nuclear e o reforço armamentista. Já Le Pen, que moderou o discurso na campanha mas não alterou as suas propostas, promete como primeira medida, se chegar ao Eliseu, submeter a referendo um projecto de lei, já redigido, sobre imigração e identidade, que esvaziará o preâmbulo da Constituição de 1946 e alterará vários artigos da Constituição de 1958. No fundo, uma revisão constitucional encapotada, ou como afirmam vários especialistas um autêntico golpe de Estado sob a capa de referendo, para dar cobertura legal às propostas racistas e xenófobas do seu partido, que mudou de nome para se distanciar da Frente Nacional de Le Pen pai, mas não de ideologia.

O que é dramático é que, esmagados por anos de políticas anti-sociais, cada vez mais eleitores se deixem seduzir pelo canto da sereia de os «franceses primeiro» e de defesa dos «nossos valores». Com o apoio de personagens como o candidato Eric Zemmour, ensaísta, jornalista e comentador político com presença assídua nas televisões, que de tão extremista fez Marine Le Pen parecer moderada, a lavagem ao cérebro foi uma constante durante a campanha e promete continuar nas cenas dos próximos capítulos.

Num faz de conta de democracia em que o discurso escamoteia a prática e onde pensar se tornou um acto de subversão, o radicalismo tem campo fértil porque apela às emoções e não à razão. Muitos dos que agora apelam a cerrar fileiras contra Marine Le Pen são responsáveis pela ascensão da extrema-direita, em França como um pouco por toda a Europa. O branqueamento de organizações e governos protofascistas, para não dizer outra coisa, tem um preço elevado mesmo para a democracia burguesa: banaliza o ódio, vulgariza o inadmissível, cultiva a indiferença. O resultado está à vista no tsunami que abalou a cena política francesa. Há quem chame a isto liberdade de escolha, mas na verdade não passa de um jogo de espelhos em que para fugir do abismo se corre para o desastre.



Mais artigos de: Opinião

Porque será?…

Porque será que os poderes dominantes andam tão assanhados com as posições do PCP? Porque será que os principais órgãos da comunicação social, hoje concentrados num reduzido número de grupos económicos (e por eles totalmente controlados), vociferam e atacam todos os que divergem do «pensamento» único» com que nos querem...

Acabar com a guerra ou atacar o PCP?

Vários «cronistas» têm dedicado parte do seu precioso tempo a uma actividade muito em voga: o tiro ao PCP a pretexto da guerra. E pelos vistos vale tudo. Fernanda Câncio chegou ao ponto de adulterar dados da ONU para vender a tese de que o PCP inventou os 15 mil mortos da guerra no Donbass. Já Ana Sá Lopes, usando a...

Salários, inflação e a lógica da batata

Se a inflação é zero, não há razão para aumentar salários, pois não houve inflação. Se a inflação é grande, é impossível aumentar salários pois faria aumentar ainda mais a inflação. É lógico, dizem-nos o capital e seus defensores. A mesma lógica que já escutáramos noutras situações. Na EDP, onde um aumento de 90...

2022: preços, lucros e salários

A inflação prossegue a sua marcha galopante neste ano de 2022. A fase final de 2021 já tinha dado sinais de que não estaríamos mais confrontados com uma relativa estabilidade de preços.

Eles não querem parar a guerra

Nas suas análises do capitalismo e da evolução da situação internacional, o PCP não terá acertado em tudo mas nunca se enganou no essencial. E o essencial em relação à guerra na Ucrânia reside na própria natureza agressiva do imperialismo e quando, como sublinha a Resolução Política do XXI Congresso, «os sectores mais...