A quem servem as sanções?
Quando, em 1997, no programa 60 minutos, a entrevistadora perguntou a Madeleine Albright se valiam a pena as 500 mil crianças mortas na sequência das sanções impostas ao Iraque, a então representante dos EUA nas Nações Unidas não teve pejo em dizer que sim.
A aplicação de sanções como arma de guerra económica tem uma longa história. A resposta, neste domínio, dos EUA e UE à intervenção russa na Ucrânia não se fez esperar, com a imposição de várias vagas de sanções (caminho já em vigor e crescendo desde 2014), além da escalada armamentista e militarista. O caminho em que insistem não serve a paz nem os interesses dos povos, que estão já a pagar as consequências, fruto do brutal aumento do custo de vida, com a crescente inflação, agravada pela acção especulativa dos usurários que se aproveitam das sanções para aumentar lucros.
Se alguém esfrega as mãos com esta situação são os EUA. Nas declarações de Joe Biden, a 24 de Março, por ocasião da sua presença no Conselho Europeu, afirmava-se o «efusivo» apoio dos EUA à UE para fazer face às consequências do redireccionamento da dependência do gás russo para outros países. O entusiasmo e promessas chocam na realidade. A Rússia forneceu em 2021 à UE 155 mil milhões de metros cúbicos (bcm) de gás. Biden prometeu «trabalhar» com seus parceiros para fornecer 15 bcm este ano e 50 bcm antes de 2030.
Afirmação que esbarra não só em questões de capacidade logística e de infra-estruturas no continente europeu, como em questões de capacidade produtiva e de forte dependência dos «mercados», onde adquire o produto quem pagar mais. Ao contrário do que afirmam alguns «espertos» da praça, não se fecha a torneira da dependência energética de um dia para o outro, pois teria um efeito catastrófico para a economia em vários países da UE (mais a mais no quadro da liberalização imposta pela UE).
Esta dita «ajuda» tem ainda outro preço, também a pretexto da guerra. No mesmo dia, Biden e von der Leyen anunciavam o desbloqueio de um impasse no Escudo de Proteção da Privacidade UE-EUA, possibilitando à Comissão Europeia autorizar de novo o fluxo de dados transatlânticos que «facilitarão» 7,1 biliões de dólares em relações económicas com a UE (elucidando a mina que hoje representam os dados pessoais) – processo que não se desligará da via de normalização, hipervigilância e censura digital em curso.
As sanções não servem os interesses dos povos. Servem os interesses políticos das grandes potências que visam asfixiar economicamente países terceiros, com consequências negativas, por vezes atrozes para os seus povos. Servem os interesses dos grandes grupos económicos que lucram à custa da especulação que promovem com a guerra. Pagam os povos com língua de palmo, financeiramente e pelos ataques a direitos e liberdades que sempre estes momentos propiciam.