Crise regada com dividendos

Vasco Cardoso

A subida generalizada dos preços, com especial destaque para os bens energéticos e os alimentos, tem vindo a corroer diariamente os rendimentos de milhões de trabalhadores e reformados. São aumentos que já vinham de 2021 e que se acentuaram profundamente com a intensificação da guerra na Ucrânia e o disparar de sanções. Especialistas de toda a espécie e dirigentes políticos domésticos, mas também dos EUA, da NATO e da UE, dizem-nos que este é o preço a pagar para defender o «mundo livre» e os «valores do ocidente», narrativa que é sempre acompanhada pela propagação do discurso belicista e a escalada de confrontação que não procura a paz.

No entanto, as crescentes dificuldades já sentidas por milhões de pessoas, hoje confrontadas com a guerra, e as sanções como ontem foram com os impactos da pandemia, ou se quisermos ir mais atrás, com as medidas da troika, mostram um padrão que não pode ser ignorado: há sempre justificação para que sejam sempre os mesmos a pagar.

E no outro lado da luta de classes, como param as modas? Pegue-se na distribuição de dividendos. Pegue-se naquilo que os capitalistas retiram dos lucros das «suas» empresas para as «suas» contas bancárias. Veja-se a título de exemplo, apenas e só, os dividendos distribuídos pelas empresas sediadas no PSI-20 e que foram divulgados no final deste 1.º trimestre e tirem-se as devidas conclusões.

A primeira é que todas as empresas aí sediadas aumentaram e bem os seus lucros em 2021 face a 2020; a segunda é que todas distribuíram mais dividendos (valor que remunera os accionistas) em 2021 do que no ano anterior; e a terceira é que a gula pelos dividendos tem sido tal, que parte dessas empresas chega a distribuir mais dividendos do que os lucros que obteve. Foi o caso da NOS (143 milhões), da Jerónimo Martins (493 milhões) e, repare-se no pormenor – tendo em conta o que se disse atrás –, das três principais empresas energéticas do País, REN (102 milhões), EDP (750 milhões) e GALP (498 milhões).

Temos ouvido nos últimos dias o grande patronato queixar-se da crise, desta crise em concreto, mas que no fundo é sempre a mesma crise que não permite aumentar salários, nem regular preços, nem reconhecer direitos. Uma crise muito especial que só sobrevive regada a dividendos.




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